"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

setembro 02, 2011

BRINCANDO COM FOGO.

Diminuir juros é bom e todo mundo gosta.
Mas baixar a taxa básica desconsiderando o sério risco de perder o controle sobre a inflação, como fez o Banco Central ontem, é algo totalmente indesejado.

O Comitê de Política Monetária (Copom) dobrou-se à pressão do governo, fez uma aposta arriscada, baseada em avaliações extremadas da crise externa, comprometeu sua credibilidade e rifou seu compromisso com a estabilidade da moeda.

Sem medo de errar, é possível afirmar que ninguém esperava que o Copom decidisse cortar a Selic em meio ponto percentual na reunião desta semana. Depois de aumentar 1,75 ponto desde o início do ano, a taxa básica foi reduzida ontem a 12% ao ano.

Foi a primeira queda em mais de dois anos - a última ocorrera na reunião de 10 de junho de 2009.

Nunca o BC fizera mudança tão brusca de trajetória. A autoridade monetária brasileira sempre adotou uma estratégia gradualista, ou seja, os ajustes e as alterações de rumo nas taxas básicas de juros sempre foram feitas de maneira suave.

Com o corte abrupto, após a escalada firme da taxa, fica difícil antever os próximos movimentos dos juros. Numa situação assim instável, coordenar as expectativa dos agentes econômicos e fazê-los crer no compromisso do BC com uma inflação menor no futuro torna-se quase impossível.
O risco é de descontrole dos preços.

"Um BC que faz cinco elevações de taxa, no total de 1,75%, e depois, repentinamente, baixa em meio ponto passa a ideia de que está perdido. Ou sofrendo pressão. Ou ambos. (...)

Ao fazer isso, o BC prova que se rendeu às pressões e está disposto a aceitar um pouco mais de inflação", critica Miriam Leitão n'O Globo.

No extenso comunicado divulgado após a reunião, o BC diz que a crise externa será muito mais intensa e atingirá o país de maneira muito mais severa do que os demais mortais conseguem perceber.

Também fia-se na "revisão do cenário para a política fiscal". Com base nisso, o BC acha que a inflação cairá e que, portanto, não há necessidade de deixar os juros tão altos

Primeiro, ninguém sabe ao certo como será o comportamento das economias americana e europeias, mais atingidas pela crise econômica.
Nem eles mesmos.

Segundo, até agora os impactos no Brasil têm sido moderados e não autorizam prever quedas significativas nos preços e desaceleração robusta da atividade econômica suficientes para frear a inflação.

"Quem contar com a crise externa para isso [a queda da inflação] corre sério risco de se decepcionar", avisa Alexandre Schwartsman no Valor Econômico.

Terceiro, e o mais grave de tudo, a inflação não está diante de um cenário "mais favorável", como prefere ver o BC.


No acumulado em 12 meses, o IPCA está em 6,87%, acima do teto da meta estipulada para este ano e a léguas de distância do seu centro (4,5%), que no Brasil de hoje tornou-se uma miragem.

A inflação dos serviços está em patamar ainda mais elevado, aproximando-se de 9% acumulados em 12 meses. As cotações das commodities, em cujo arrefecimento o BC aposta, também não param de aumentar: segundo a MB Agro, um índice baseado nos preços de soja,
milho,
trigo,
açúcar,
algodão,
café,
aves,
carnes bovina e suína,
feijão e arroz subiu nada menos que 8% em pouco mais de um mês desde a reunião anterior do Copom.

Em quarto lugar, a confiança expressa pelo BC na austeridade fiscal do governo Dilma Rousseff não encontra eco na realidade e na prática da equipe econômica. Ontem, o Orçamento Geral da União para 2012 foi enviado ao Congresso e, ao contrário da profissão de fé manifestada pela Fazenda no início da semana, prevê menor rigor fiscal para o ano que vem.

A meta de superávit primário - R$ 114,2 bilhões - foi fixada em valor menor do que o prometido para este ano - R$ 127,9 bilhões. As despesas crescerão mais que as receitas e também mais do que o PIB.

Os gastos serão afrouxados.
Na contramão do desejável em termos fiscais, os investimentos cairão em 2012.

"O discurso a favor de uma política fiscal mais sólida fez crer que a peça orçamentária seria mais realista e elaborada na perspectiva de contenção das despesas. Não foi", analisa Ribamar Oliveira no (Valor Econômico)

Todos os dados "técnicos" não são, portanto, suficientes para justificar a decisão do BC de cortar a Selic. As edições de hoje dos jornais são unânimes em afirmar que os juros caíram ontem por pressão do Planalto, à qual o Copom cedeu.

"Dilma está convencida de que a inflação vai ceder com o quadro de recessão global e que, por isso, o BC deveria se antecipar. Essa pressão foi fundamental para a mudança de rumo", sustenta O Globo.

A decisão de ontem configura uma ruptura radical, que reduz a previsibilidade da política monetária e aumenta as incertezas. O BC abriu mão de manejar autonomamente seu canhão de contenção da inflação, confiando num cenário impreciso.

Fiou-se em compromissos fiscais que, no mesmo momento em que a deliberação do Copom estava sendo tomada, já eram página virada na vida do governo. Preferiu brincar com o fogo da inflação.

Fonte: Instituto Teotônio Vilela

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