O governo decidiu aumentar em R$10 bilhões a meta de superávit primário para este ano. Mas não deixou margem a dúvida sobre a origem dos recursos adicionais que deverão permitir o cumprimento da nova meta.
"O primário será engordado pela arrecadação extraordinária que o governo está registrando neste ano", esclareceu o ministro Mantega.
De fato, nos primeiros sete meses de 2011, a receita federal mostrou crescimento real de nada menos que 13,98%, o que equivale a bem mais do triplo da atual taxa de crescimento do PIB.
Do lado da despesa, os gastos primários ainda vêm tendo expansão real da ordem de 4,3%, apesar de forte queda nos investimentos.
O governo jamais teve intenção de cortar investimentos.
Muito pelo contrário. O ministro Mantega tem feito questão de esclarecer que a queda dos investimentos decorreu de "outras injunções". No que tem toda razão.
A gestão do acanhado programa de investimentos do governo, que já vinha enfrentando sérias dificuldades, ficou agora entravada de vez, na esteira da interminável onda de escândalos que vem ceifando cabeças na Esplanada dos Ministérios.
"Outras injunções" é um belo eufemismo. Sem a graxa usual, boa parte do investimento federal foi paralisada.
Basta ter em conta, por exemplo, que, nos últimos três meses, houve redução de 65% nos pagamentos feitos pelo Dnit, Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes.
A combinação da súbita atrofia dos gastos de investimento com o desempenho espetacular da receita gerou um quadro de fartura fiscal que, curiosamente, vem deixando o governo preocupado.
É verdade que isso vem permitindo ao governo se gabar de ter aumentado o superávit primário, sem qualquer esforço de corte de gastos.
O problema é que recursos tão fartos tornam ainda mais difícil, para o Planalto, evitar que prosperem no Congresso decisões que podem vir a ter alto impacto sobre as contas públicas.
Três delas são especialmente preocupantes.
A primeira envolve a Emenda 29, que pode vir a exigir aumento substancial e permanente de gastos com saúde, tanto na área federal como nos Estados.
A segunda, a PEC 300, que estabelece piso salarial nacional elevado para policiais e bombeiros.
A terceira é a possível derrota da renovação da Desvinculação de Receitas da União (DRU).
O governo pretende gastar até o último centavo dos recursos excedentes de que agora dispõe. Quanto a isso, não há dúvida.
Mas, tendo sido obrigado a desmantelar as cadeias de comando que acionavam o investimento público em vários ministérios, sabe que vai levar algum tempo para reconstruí-las e fazê-las funcionar a contento.
Já abandonou a esperança de conseguir promover uma clara recuperação dos investimentos federais ainda em 2011.
Para o Planalto, tornou-se crucial, portanto, evitar que esses recursos excedentes sejam dilapidados pelo Congresso. Há muito dinheiro em cima da mesa. O nome do jogo passou a ser dissimular a fartura, na medida do possível.
A meta de superávit primário foi elevada.
Mas apenas a deste ano, não a do próximo. E pagamentos de dividendos das estatais ao Tesouro, tão generosos nos últimos anos, foram agora postergados.
Em paralelo, claro, o governo vem tentando brandir a elevação da meta de superávit primário como prova do seu novo compromisso com a austeridade fiscal e do seu esforço para abrir espaço para redução da taxa de juros.
Seria muito bom se isso fosse verdade. Caracterizaria mudança radical e surpreendente no entendimento que tem o governo das restrições que pautam a condução da política econômica.
Não se pode esquecer que, há bem menos de um ano, o ministro Mantega deixou mais do que claro que suas convicções sobre a questão eram bem diferentes: "Não tem nada a ver uma coisa com a outra.
Essa história de dizer:
"Faz ajuste fiscal que vai baixar o juros" é um equívoco, é não entender o sistema de metas de inflação." ("Folha de S.Paulo", 25/10/2010).
Rogério Furquim Werneck O Globo
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