Dizem que a jabuticaba, da família das mirtáceas  (Myrciaria jaboticaba), só existe no Brasil. 
Tão peculiar quanto a  fruta, entretanto, são as organizações não governamentais (ONGs)  brasileiras.
A maioria vive às custas de recursos públicos, quando não  são criadas especialmente para obtê-los. Dessa forma, são figurinhas  carimbadas em casos de corrupção.
 Em 1991, ficaram famosas ONGs de  Canapi (AL) dirigidas por familiares da então primeira-dama, Rosane  Collor, beneficiadas com verbas da extinta Legião Brasileira de  Assistência (LBA), presidida, na ocasião, pela esposa do presidente da  república.
 Nas duas últimas décadas, foram levantadas suspeitas em  relação às ONGs dos anões do orçamento, do filho do ex-presidente  Fernando Henrique Cardoso, da mulher do deputado Paulinho e do  churrasqueiro do ex-presidente Lula, entre outras. Recentemente, foram  para a vitrine ONGs do Turismo - por capacitar fantasmas - e do Esporte,  várias comandadas por militantes do PCdoB.
Agora, a bola da vez é o  Trabalho, onde ONGs pagam pedágios.
 Com os "malfeitos"  escancarados, o governo federal editou dois decretos em menos de um mês,  tentando, a conta-gotas, sanear o esgoto. 
O problema, porém, não está  só nas ONGs, mas na politização das transferências voluntárias.
No  Ministério da Integração Nacional, por exemplo, auditoria realizada  pelo Tribunal de Contas da União constatou que, em 2008 e 2009, os  municípios baianos ficaram com 65% dos R$175,3 milhões desembolsados  pelo programa de prevenção e preparação para emergências e desastres. 
O  ministro na ocasião era o candidato derrotado ao governo em 2010, Geddel  Vieira Lima.
No Ministério da Justiça não foi diferente. 
 Em 2009,  as prefeituras do Rio Grande do Sul receberam metade dos R$11,9 milhões  transferidos aos municípios no Programa Nacional de Segurança Pública  com Cidadania (Pronasci). 
As cidades de Canoas, Cachoeirinha, Sapucaia  do Sul e Novo Hamburgo obtiveram, juntas, R$5,9 milhões. À época, a  Pasta era comandada pelo gaúcho Tarso Genro, eleito depois governador.
No  Ministério do Esporte, outra curiosidade. 
Em 2009, nos valores  repassados aos municípios, Campinas, em São Paulo, foi a campeã. O  secretário de Esportes e Lazer da cidade paulista era Gustavo Petta -  cunhado do ministro do Esporte -, candidato a deputado federal pelo  mesmo partido do ex-ministro Orlando Silva.
A distribuição de  recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), em 2009, também já era  curiosa. Na ação de "orientação profissional e intermediação de mão de  obra", a Secretaria de Trabalho, Emprego e Promoção Social do Paraná  liderou os valores enviados pelo Ministério do Trabalho e Emprego aos  estados.
A ONG favorita nessa mesma ação foi a Confederação Nacional dos  Trabalhadores Metalúrgicos, presidida por vereador de Curitiba,  integrado à campanha do então candidato do PDT, Osmar Dias, ao governo  estadual.
Por acaso, à frente do Ministério do Trabalho, ao qual estão  vinculados os recursos do FAT, estava e está Carlos Lupi, ex-presidente  do PDT. Por enquanto?
Assim, moralizar os repasses às ONGs -  sobretudo dos apadrinhados - é somente parte do problema. 
Pouco adianta  trocar o titular da Pasta por outro do mesmo partido, caso permaneçam os  interesses políticos e pessoais. Mantidos os "feudos", o rodízio de  ministros irá continuar, pois atualmente é fácil localizar o destino de  cada centavo dos programas governamentais, tornando evidente os  absurdos.
Até o momento, porém, os órgãos de controle, o  Ministério Público e o Judiciário, passaram ao largo dessa questão. 
E  urge que o tema seja debatido, visto que os recursos - como é óbvio -  têm que estar associados ao interesse público, o que não vem  acontecendo.
É oportuna, portanto, a ação que o procuradorgeral da  república move em relação às ONGs do Esporte. Não basta saber se o  ex-ministro recebeu ou não dinheiro na garagem. 
É preciso avaliar se não  há algum tipo de crime embutido na farta distribuição de recursos às  ONGs de militantes. 
É necessário, inclusive, que se cobre do Congresso  Nacional a aprovação de Orçamento tecnicamente mais detalhado, reduzindo  o poder discricionário dos ministros na distribuição das transferências  voluntárias.
Caso contrário, a "farra política" irá continuar,  por meio dos convênios com as ONGs, estados e municípios. 
Trata-se de  uma verdadeira geleia de jabuticaba, tão genuinamente brasileira quanto o  recorde mundial de demissão de ministros.
Gil Castello Branco O Globo
Gil Castello Branco O Globo


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