"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

julho 03, 2012

O golpe dentro do "golpe"


A diplomacia brasileira está produzindo lambanças em série.
Depois de conduzir a Rio+20 a um desfecho melancólico, o governo petista está envolvido até o pescoço num golpe:
não, não se trata do impeachment de Fernando Lugo no Paraguai, conduzido estritamente dentro dos preceitos constitucionais do vizinho, mas sim da incorporação tortuosa da Venezuela ao Mercosul.

O Brasil liderou uma espécie de quartelada neste fim de semana.


Na reunião de cúpula ocorrida em Mendoza, o periclitante bloco comercial formado por Argentina,
Brasil,
Paraguai
e Uruguai ganhou novo sócio:
a República Bolivariana da Venezuela.

O ingresso do país comandado ditatorialmente pela mesma pessoa há quase 13 anos só foi possível porque os demais sócios suspenderam os paraguaios do Mercosul sob a alegação de que a ascensão do novo governo de Assunção tisnou princípios democráticos.
Quanta contradição...


O Senado paraguaio era o único que resistia a aprovar a entrada dos venezuelanos no bloco. Desde 2005 o ingresso do país de Hugo Chávez dependia do aval dos congressistas em Assunção, uma vez que precisa ser ratificado por unanimidade pelos quatro membros.

Com a suspensão temporária do Paraguai do Mercosul, decidida há dez dias, o entrave foi levantado e a porteira para a incorporação da Venezuela, aberta.


Surge daí a contradição:
o Paraguai está suspenso do bloco sob a alegação de que o impeachment de Lugo representou "ruptura da ordem democrática", conforme a manifestação oficial do Itamaraty acerca da questão.

É certo que a celeridade com que o processo transcorreu em Assunção causou estranheza, mas a Constituição do Paraguai, promulgada em 1992 e elaborada por uma assembleia eleita para tanto, não foi afrontada. Não há, portanto, que se falar em "golpe".


O que se assemelha em tudo a um verdadeiro golpe é aproveitar-se da situação de excepcionalidade por que passa o Paraguai para pôr dentro do Mercosul um sócio que os vizinhos - por meio de seus representantes no Congresso - não desejavam.

A decisão tomada em Mendoza no fim de semana é, em tudo, discutível e pode ser legalmente contestável.


Os países que acusam o Parlamento paraguaio de ter produzido um "golpe" contra Fernando Lugo usam requintes de crueldade para penalizar e prejudicar Assunção.

Por exemplo:
quando vier a ser reincorporado ao Mercosul, o que é previsto para daqui a nove meses, o Paraguai não poderá reexaminar qualquer dos acordos e tratados que Chávez tiver estabelecido com os demais sócios do bloco durante o período.


"O Paraguai terá que aderir a tudo que for pactuado durante sua ausência", disse Luis Inácio Adams, ministro-chefe da Advocacia Geral da União, no fim de semana ao Valor Econômico.

As decisões tomadas pelo Mercosul neste ínterim serão, pois, empurradas goela abaixo dos paraguaios. Cabe, portanto, perguntar:
quem, afinal, está produzindo um golpe?


No sábado, a Folha de São Paulo mostrou que há fundamentos jurídicos sólidos para questionar a decisão de Mendoza. O artigo 37 do Protocolo de Ouro Preto, que implantou o bloco, diz que "as decisões dos órgãos do Mercosul serão tomadas por consenso e com a presença de todos os Estados partes".

Ou seja, sem o Paraguai, nem pensar.


Para coroar, soube-se ontem que Dilma Rousseff foi o artífice do estratagema que abriu as portas do Mercosul para Chávez. O chanceler uruguaio veio a público informar que Montevideo foi contra a entrada da Venezuela no bloco nas circunstâncias atuais, isto é, aproveitando-se da suspensão temporária de um de seus sócios-fundadores.

De acordo com o relato, o Uruguai foi coagido pela presidente brasileira a calar-se e avalizar o ardil.


"O chanceler Luis Almagro [do Uruguai] garantiu ontem que, sem unanimidade, a decisão só foi tomada em Mendoza por pressão direta da presidente Dilma Rousseff, não é definitiva e, agora, será reavaliada juridicamente por seu governo", resume O Globo.

Por meio do bolivariano Marco Aurélio Garcia, o Planalto negou a versão uruguaia.


Pela decisão anunciada neste fim de semana, a entrada da Venezuela no Mercosul só será oficializada em 31 de julho, numa nova reunião dos países do bloco.
Quem sabe os uruguaios não consertam por lá a lambança feita por cá?

Do contrário, o bloco regional, que hoje já mal se aguenta sobre as pernas, terá agora que viver a reboque de Hugo Chávez e seus bolivarianos.

Alguém duvida que, nestas condições, e de golpe em golpe, o Mercosul avança para um naufrágio?


Fonte: Instituto Teotônio Vilela
O golpe dentro do "golpe"

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