"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

julho 18, 2012

O Brasil e a arte de pensar

A certa altura do excelente e instigante filme "O Leitor", do diretor inglês Stephen Daldry ("As Horas"), o protagonista, estudante de direito, é levado por um professor para assistir a um julgamento coletivo, que se desdobra por vários dias.

Lá pelas tantas, ele descobre ser o único a saber de detalhe que pode salvar uma ré de terrível condenação.


Dada a gravidade e repercussão dos crimes em exame, ele fica confuso e vai aconselhar-se com o mestre. Esse não hesita em recomendar ao jovem procurar o juiz da causa e lhe contar o que sabe. E reforça o conselho com uma frase, aparentemente banal, que é mais ou menos assim:
"Não importa o que você pensa, importa o que você faz."


O conselho do professor de direito, no filme um coadjuvante de luxo, vivido pelo grande Bruno Ganz (o Hitler de "A Queda"), tem tudo a ver com o Brasil e com sua história recente, e também não tão recente assim, no terreno da construção do seu, digamos, alicerce.

Mais precisamente, da construção de uma infraestrutura digna de uma nação, cujos dirigentes e parte das elites se gabam de ser a sexta maior economia do mundo (não importa se graças ao câmbio sobrevalorizado), assim como há 40 anos a ditadura militar jactava-se de sermos a oitava economia, fechando os olhos para a "Belíndia" dos poucos muito ricos e dos muitos muito pobres, que o economista Edmar Bacha desnudou na sua célebre fábula de 1974.

Não se trata aqui de fechar os olhos para os inegáveis progressos dos últimos dez anos no terreno do combate à desigualdade, ainda que mesmo nesse campo haja muitas maratonas, para entrar no clima olímpico, a percorrer.

A realidade é que quando se fala da construção física deste país, que querem que se orgulhe de ser rico, andamos, para ser generoso, a passos de tartaruga. Quase tudo pensado e quase nada feito.


A realidade é que andamos a passos de tartaruga

Sem entrar no mérito da viabilidade, o projeto de um túnel ferroviário sob a baía de Guanabara, por exemplo, foi proposto ao imperador Pedro II, conforme documento arquivado na Biblioteca Nacional. Há algumas décadas, ele é parte do projeto da linha 4 do metrô carioca.

Em palestra recente, em que buscava convencer a plateia de que a economia chinesa, hoje vital para a saúde do balanço da Vale, não vai se desacelerar fortemente, o diretor-financeiro da mineradora, Tito Martins, disse que, entre as obras de infraestrutura do mais recente programa econômico chinês, está a construção de nada menos que 92 grandes aeroportos "do porte de Cumbica", nas palavras do executivo.

E não é que a China já não disponha de grandes e modernos aeroportos, e que não venha trabalhando em ritmo acelerado em centenas de outras obras de grande porte, incluindo a conclusão, antes do prazo estipulado, de 16 mil quilômetros de trem de alta velocidade. Nós, cá, sabemos das idas e vindas do nosso modesto trem-bala (mais uma vez sem entrar no mérito)!

E sabemos também da novela dos nossos aeroportos, mesmo empurrados por uma Copa do Mundo e uma Olimpíada.


Ok, a China não é parâmetro.
O México será?

Pois o metrô da Cidade do México, com suas 11 linhas, 202 quilômetros e 175 estações, que retirou a capital mexicana da lista das mais poluídas do mundo, é praticamente contemporâneo dos seus pares de São Paulo (quatro linhas, 65,3 quilômetros e 58 estações) e do Rio de Janeiro (duas linhas, 46,2 quilômetros e 35 estações).

E a ferrovia Norte-Sul?
E a ferrovia Transnordestina?
E a transposição do São Francisco, outra vez sem entrar no mérito.
E o eterno drama dos portos ineficientes?

Ah, nos transportes domésticos, o Brasil optou por privilegiar o modal rodoviário?
Quem não sabe da aventura que é trafegar pela maior parte da BR-101, especialmente se o rumo for o da castigada região Nordeste?

Ou ir ao encontro dos caminhões de minério na inacreditável Rio-Belo Horizonte, descontado o trecho entre a capital fluminense e Juiz de Fora? Ou atravessar a serra do Cafezal na Régis Bittencourt (São Paulo-Curitiba), apenas para ficar em alguns dos principais eixos do país, privatizados ou não?

Tudo isso sem mencionar a tragédia do saneamento básico, a mais completa tradução, com licença de Caetano Veloso, do nosso subdesenvolvimento e do descaso com que sempre foram tratados o bem-estar e a saúde da população. Se São Paulo tem o rio Tietê e o Rio de Janeiro tem o canal do Mangue, o que pensar de terras menos cotadas?

Por toda parte onde há centros urbanos, os rios brasileiros são depósitos de lixo e de dejetos, que vão bater no meio do mar, agora recorrendo a Luiz Gonzaga e Zé Dantas. A baía de Guanabara, paisagem patrimônio cultural da humanidade, que o diga.

Os dois últimos governos têm o mérito de terem saído do absoluto imobilismo, mas já é proverbial a lerdeza das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o cartão de visita das obras de infraestrutura deste governo e do anterior.

No editorial da edição de junho do boletim "PrimeLine", publicação que o Bradesco distribui a clientes, o economista Octavio de Barros, diretor de pesquisa e estudos econômicos do banco e um dos analistas que mais vêm dando respaldo à política econômica dos dois últimos governos, após vários parágrafos de esforços para digerir os motivos pelos quais, apesar dos fundamentos ajustados, a economia não decola, escreve quase em tom de lamento:

"Também no setor público, os investimentos avançam muito mais lentamente do que poderíamos imaginar. Copa, Olimpíada e a precariedade infraestrutural acalentaram a ilusão de que os investimentos iriam decolar, finalmente. Mas isso não aconteceu. Uma hora eles provavelmente chegam."

Ou vamos seguir nos alimentando de pensamentos vãos.


Chico Santos Valor Econômico

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