"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

agosto 22, 2011

E O TAL "PARA O BRASIL SEGUIR MUDANDO".OITO MESES DE : "NÃO É BOM NEM RUIM. É DESCONCERTANTE"

Aos oito meses, o governo Dilma Rousseff não é bom nem ruim.
É desconcertante.

Desconcertar é "fazer perder o concerto, a ordem, a harmonia", ensina o Houaiss.

Com o entra e sai de ministros e o festival de devassas nos arraiais do governo, desconcertam-se a ordem (ainda que desordeira) e a harmonia (ainda que desarmoniosa) do regime, tal qual foi edificado desde o governo Sarney, nos primórdios desta Nova República.

A tal ordem desordeira e a desarmoniosa harmonia sustentavam-se na aliança entre ideológicos e fisiológicos, sérios e picaretas. Essa a essência mesma do que os cientistas políticos apelidaram de "presidencialismo de coalizão".

A coalizão, ao fim e ao cabo, é entre a honestidade e a roubalheira, uns deixando os outros em paz. O esquema atingiu seu ápice no governo Lula. A desconcertante Dilma espalha numerosas dúvidas no ar, entre as quais quatro principais.

Primeira: estará ela agindo de forma deliberada ou sendo arrastada pelo vendaval?

Não foi por cálculo de Dilma que estouraram as denúncias na imprensa, as ações da Polícia Federal e as lutas fratricidas (como a do irmão do senador Jucá com o ex-ministro Wagner Rossi) na coligação. Nesse sentido, foi o vendaval que a engolfou.

Mas, em contraste com o antecessor, ela não jogou o peso de seu cargo em defesa dos transgressores. Se proferiu certos protocolares elogios e agradecimentos pelos serviços prestados, não os segurou nos cargos. Isso sugere deliberação.
Se realmente for assim, eis-nos diante de uma presidente disposta a correr riscos.

Mais que isso, eis-nos diante dessa raridade das raridades, que é um líder disposto a liderar.
A atual quadra histórica é protagonizada. não só no Brasil, por essa contradição ambulante que são os líderes liderados. Eles se deixam liderar pelas pesquisas de opinião e pelas circunstâncias. Líder de verdade procura manobrar as circunstâncias em seu favor.

Segunda: a presidente corre o risco de isolamento?

É o que gostam de apregoar os políticos da coligação governamental, inclusive os do PT. "A presidente não conversa", "Não faz política". Tais mantras escondem uma ameaça: se continuar assim, estrepa-se.

O temperamento de Dilma realmente se opõe ao do derramado Lula ou ao do afável FHC. Ela sorri pouco. Não joga conversa fora. Mas as tais "conversas" de que gostam os políticos sabe-se o que são: tergiversações em torno do toma lá dá cá.

Querem mesmo conversar?
Sugestão:
que a presidente os chame para reuniões com pautas determinadas e transmitidas pela televisão. Os temas seriam a educação, a saúde, a infraestrutura, a crise mundial. O país avaliaria se eles têm mesmo o que conversar.

O isolamento pode se reverter contra quem o invoca.
Isolados ficarão os fisiológicos e pervertidos, se bem conduzida a obra de sanitização dos costumes nacionais.

Terceira: se apertar o parafuso além da conta, Dilma põe em perigo a governabilidade?

Inverta-se a questão:
que tem garantido a governabilidade, tal qual está posta?
A infraestrutura do país arruína-se.
As obras são superfaturadas.
Agentes dos aliados ocupam ministérios e estatais com o objetivo de abrir descaminhos para o dinheiro público.

Em cada votação importante no Congresso o governo é chantageado.
Um big bang que exploda tal "governabilidade" não pode criar sistema pior.

Quarta: estaria a presidente pretendendo uma virada histórica?

"Republicanizar a República" era a palavra de ordem nos tumultuários anos 1920 da política brasileira.

Um editorial de 1922 da Revista do Brasil, então dirigida por Monteiro Lobato, e que concentrava pane importante do debate nacional, contava três gerações engendradas pela República:
a primeira, a dos fundadores (os militares de Deodoro e Floriano e os propagandistas civis); a segunda, a dos que "lhe colhem os provemos" (os políticos e as oligarquias); e a terceira, a que "cai em si" e tem por meta "republicanizar a República".

Num paralelo com a Nova República, a geração dos fundadores - Ulysses. Tancredo e o velho MDB (jamais confundir com o atual PMDB) - foi logo suplantada pelos que "lhe colhem os proventos". Estaríamos diante da emergência dos que "caem em si"?

A desconcertante presidente Dilma, deliberadamente ou não, inspira e encarna o desejo de republicanizar a República.

Reina a forte impressão de que o atual sistema se esgotou.

Deu o que tinha que dar, se é que teve algo a dar.

Aliás, não teve.

Roberto Pompeu de Toledo Veja

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