"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

julho 13, 2011

O DINHEIRODUTO DO BNDES .

A veemente rejeição da proposta de megafusão entre o Grupo Pão de Açúcar e os Supermercados Carrefour pelo sócio preferencial, o grupo francês Casino, joga novo foco de luz na atuação do BNDES, especialmente no açodamento com que havia aprovado e recomendado o projeto.

Baseado em avaliação de cinco bancos e consultorias de peso (Santander, Goldman Sachs, Messier-Maris, Rothschild e Merril Lynch), o Grupo Casino torpedeou, nesta terça-feira, a iniciativa do presidente do Grupo Pão de Açúcar, Abilio Diniz.

A partir do relato do correspondente Andrei Netto, ficamos sabendo que o Conselho de Administração do Grupo Casino definiu o projeto da megafusão como "contrário aos interesses dos acionistas, baseado numa estratégia errada e em estimativas de sinergias fortemente superdimensionadas".

Depois de proclamar sucessivamente que o negócio é "de interesse nacional", "bom para todos" e "bom para o Pão de Açúcar", o empresário Abilio Diniz teve de ouvir dos membros do Conselho de Administração do sócio francês, reunidos em Paris, que sua proposta não é boa nem mesmo para o Pão de Açúcar.

Ficou dito, também, que um investimento em ações do Carrefour é "arriscado, em razão das dúvidas expressas pelos mercados sobre sua estratégia".

Apoiado apenas em uma sigla de luz própria relativamente baixa, a do BTG Pactual, especializado em hospitalização de empresas em fase terminal, Abilio tentou arrastar o BNDES para a sua parada.
Seu vice-presidente, João Carlos Ferraz, acorreu pressuroso, reconhecendo imediatamente nesse arranjo um interesse estratégico e uma fonte de criação de valor – ambos duvidosos.


E aparentemente estaria disposto a despejar mais de R$ 4 bilhões em vitamina pública no projeto, não fosse a inesperada (para eles) reação da sociedade contra a chancela oficial de uma disputa entre grupos privados pelo controle acionário de uma rede de varejo.

Felizmente, evocando "seu compromisso com a estrita observância das leis e dos contratos, baseado em rigorosos princípios de ética", o BNDES avisou oficialmente que ficaria de fora do negócio, enquanto esse não obtivesse o entendimento entre seus acionistas.

E, não obstante a obstinação do agora isolado empresário Abilio Diniz em manter de pé seu plano, o desfecho da reunião de Paris mostra que esse acordo ficou difícil.

Mas o provável fracasso da armação não absolve o BNDES, cuja atuação começa a ser cada vez mais contestada.
O mesmo serve para o governo federal, que sustenta a máquina de favorecimentos com verbas não orçamentárias, graças ao uso do dinheiroduto instalado em ligação direta entre o BNDES e o Tesouro.


Também não absolve o Banco Central.
O BNDES pode alcançar, em 2011, a marca de R$ 300 bilhões em financiamentos a seus eleitos ao longo dos anos, subsidiados, bem abaixo dos juros primários (Selic). Assim, boicota a política monetária, que deve agir principalmente sobre canais de crédito.

Porém, até agora, o Banco Central foi incapaz de denunciar os rombos provocados pelo BNDES no sistema vascular do plano de metas de inflação.

O provável desmanche do projeto da megafusão também não absolve a oposição, que não está sendo capaz de denunciar o mau uso do BNDES, neste governo e no anterior. Essa é uma oposição sem discurso e que, hoje, não passa de um enorme apagão político

Celso Ming/ESTADÃO

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