O mal-estar dentro do governo por conta do malabarismo contábil para aumentar as receitas em R$ 15,8 bilhões e garantir o cumprimento da meta do superavit primário em 2012 — a economia do setor público para pagamento de juros da dívida pública — está grande.
Quem propôs a contabilidade criativa, que incluiu a antecipação de receitas advindas de dividendos de estatais referentes a 2013, foi o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, auxiliado pelos seus subsecretários Marcus Pereira Aucélio e Cleber de Oliveira.
As notas com os valores a mais — classificadas na Esplanada dos Ministérios como “ideia de jerico” — foram apresentadas ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, e ao secretário executivo da pasta, Nelson Barbosa, que encamparam a proposta e a levaram à apreciação e à aprovação da presidente Dilma Rousseff.
Mas o que parecia, para eles, uma boa saída foi um tiro no pé. A crítica unânime entre economistas e analistas do mercado é de que o governo conseguiu apenas abalar fortemente a credibilidade da política econômica, que, desde 1999, sedimentou o caminho para o crescimento da atividade e o bem-estar geral da população, com queda do desemprego e aumento real da renda.
“Criaram tanta desconfiança por nada. Quem se deixaria enganar?”, resumiu o ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola, sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada. “Um desgaste grande sem nenhum benefício”, emendou o economista Raul Velloso.
Para os dois especialistas, o governo deveria ter vindo a público admitir que não conseguiu alcançar, com os estados e os municípios, a meta prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). “Pior que não cumpri-la é a falta de transparência que fica”, constatou Loyola. Para Velloso, o governo tinha dois caminhos:
assumir o descumprimento, utilizando razões até justificáveis — como a conjuntura externa desfavorável — ou forçar o fechamento das finanças, como fez sem conseguir convencer.
“Eles optaram pelo pior deles”, disse.
O próprio Mantega já vinha admitindo, nos últimos meses de 2012, que a meta do superavit não seria atingida. Quem manteve outra toada o ano todo foi o secretário Arno Augustin. Desde agosto, quando o desempenho das receitas e das despesas apontava para a dificuldade de economizar o programado, ele insistia, nas entrevistas mensais de divulgação do balanço das contas públicas, que o total programado seria, sim, cumprido.
Procurados, o Ministério da Fazenda e a Secretaria do Tesouro Nacional não se manifestaram.
Outro desgaste
Obstinação na defesa das suas ideias é uma característica do secretário do Tesouro Nacional, que tem bom prestígio junto à presidente Dilma Rousseff. Augustin também foi o principal responsável por outro desgaste sofrido pelo Palácio do Planalto recentemente. Ele defendeu com unhas e dentes, em diversas reuniões com a Presidência, a mudança do modelo de concessões dos aeroportos que já estava em curso desde 2011.
No ano passado, quando chegou a vez dos terminais do Galeão (RJ) e de Cofins (BH), o secretário insistiu na proposta de garantir à estatal Infraero o controle majoritário dos consórcios que os administraria. Os sócios privados não gostaram, e o processo de privatização emperrou.
O governo teve que voltar atrás e manter o modelo defendido desde o início pela Secretaria de Aviação Civil (SAC) e pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). O cronograma atrasou, e ficaram as críticas e as desconfianças de que o governo muda as regras no meio do caminho.
Depois dessa nova bola fora com a maquiagem das contas públicas, o prestígio de Arno Augustin no Palácio do Planalto já não é mais o mesmo.
Resgate do Fundo Soberano
O Conselho Deliberativo do Fundo Soberano publicou no Diário Oficial da União de ontem uma resolução assinada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, para o resgate de cotas do Fundo Fiscal de Investimentos e Estabilização (FFIE) que pertencem ao Fundo Soberano.
A ação foi autorizada até o limite de R$ 12,6 bilhões. Desse total, no entanto, deverão ser usados R$ 12,4 bilhões para cumprir a meta de superavit primário do governo de 2012, fixada em R$ 139,8 bilhões.
ANA D"ANGELO/Correio Braziliense
UMA "IDÉIA DE JERICO"
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