"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

junho 01, 2012

ENROLAÇÃO ! CPI DA "SOBRIEDADE E FOCO" : CPI investiga pouco Cachoeira e fica travada por polêmicas


Falta de documentos, informações de sigilos ininteligíveis e muita disputa política sobre outros temas tornam a CPI do Cachoeira, instalada há mais de um mês, uma investigação inócua até agora, sem avanços na apurações da Polícia Federal feitas nas operações Vegas e Monte Carlo, que servem de matéria-prima para os parlamentares.

Esses problemas são acrescidos de um comando confuso dos trabalhos decorrente principalmente da inexperiência do presidente, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), e do relator da CPI, deputado Odair Cunha (PT-MG), em CPIs.

Rêgo, por exemplo, admite que comandar uma investigação parlamentar é um terreno ainda inexplorado na sua carreira.

"Quando eu era líder do governo, eu lutava para impedir CPIs. Quando eu fui oposição, lutei para instalar CPI, mas nunca consegui. Então, essa é uma experiência completamente nova para mim", contou o senador à Reuters lembrando dos tempos de atuação parlamentar na Paraíba.

Ele e outros membros da comissão ponderam também que essa CPI é diferente de outras que o Congresso já fez, porque começou com uma investigação detalhada da PF. Normalmente, os parlamentares investigam uma denúncia ou um fato específico que dá origem a uma série de pequenas apurações ao longo dos trabalhos.

Nesse caso, a investigação está pronta e o Congresso tenta aprofundar a amplitude das atividades do empresário Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, no meio político e empresarial.

O foco definido e a investigação de anos dos policiais federais deveria colaborar para a produtividade da CPI, mas não é isso que ocorreu até agora.

Desde os primeiros dias de instalação, os membros da comissão gastaram mais tempo enfrentando polêmicas que não estava diretamente relacionadas com Cachoeira. É o caso da disputa envolvendo os parlamentares e o procurador-geral da República, Roberto Gurgel.

Foram pelo menos duas semanas de debates sobre a conveniência de levar Gurgel à CPI para explicar sua atuação na operação Vegas, que foi concluída em 2009 e usada somente neste ano pelo procurador para apresentar denúncia ao Supremo Tribunal Federal contra o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO) pelo seu estreito relacionamento com Cachoeira.

Os membros da CPI querem saber por que ele demorou tanto para usar o inquérito para apresentar a denúncia.

Gurgel reagiu e disse que os parlamentares que o questionavam queriam apenas desestabilizá-lo pela proximidade do julgamento do mensalão, escândalo deflagrado em 2005, durante o governo Lula, e esquema em que parlamentares receberiam recursos em troca de apoio político ao governo.

A CPI debateu o tema à exaustão e pediu explicações por escrito a Gurgel que atendeu ao pedido.

E somente nesta semana os membros da CPI pediram a quebra de sigilo de Demóstenes, que deveria ser um dos focos da investigação.

"Isso tem acontecido porque o relator é muito fraco. Sofre muita pressão. De dia diz uma coisa e à noite diz outra", avaliou um parlamentar do PT que integra da CPI ao se referir ao petista Odair Cunha (MG), que relata os trabalhos da comissão.

A reclamação demonstra ainda que a base governista está desarticulada na CPI e sofre com disputas internas nas bancadas do PT e do PMDB e entre elas também

Exemplo disso, foi a convocação, na quarta-feira, do governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, do PT, para depor da CPI. Mesmo com ampla maioria no plenário, os partidos aliados não impediram o constrangimento a um governante do partido da presidente Dilma Rousseff.

O PMDB tentou articular na terça-feira com o PT para que a quebra do sigilo bancário da construtora Delta fosse seletiva e atingisse apenas as contas que abasteceram empresas ligadas a Cachoeira. Mas os petistas não cumpriram o acordo e aprovaram a quebra irrestrita.

A desarticulação é comemorada pela oposição, que vê a situação como uma oportunidade de evitar que as investigações se restrinjam ao governador de Goiás, o tucano Marconi Perillo.

"É verdade, nunca houve uma base governista tão desarticulada", analisou o líder do PSDB no Senado, Álvaro Dias (PR), que admite que a situação de Perillo "não é fácil".

Fora a desarticulação e a falta de documentos, o presidente da CPI disse que fica "angustiado" de ter de lidar com o ego dos deputados e senadores, sempre dispostos a fazer discursos para os eleitores nas sessões da comissão.

Rêgo costuma dizer que "se não fosse aquela luzinha vermelha" das câmeras da TV Senado e das demais emissoras sua vida seria muito mais fácil.

Outra dificuldade que tem sido enfrentada pela comissão é o silêncio dos depoentes. Todos os nove suspeitos de participar no suposto esquema convocados para prestar esclarecimentos se recusaram a responder às perguntas dos parlamentares, entre eles Cachoeira e Demóstenes.

Mas Rêgo espera que nas próximas semanas a investigação parlamentar avance, já que muitos documentos estão chegando à comissão de forma acessível e que os parlamentares finalmente se debrucem sobre eles para apurar a atuação de Cachoeira

JEFERSON RIBEIRO/Estado

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