Falta de documentos, informações de sigilos ininteligíveis e muita disputa política sobre outros temas tornam a CPI do Cachoeira, instalada há mais de um mês, uma investigação inócua até agora, sem avanços na apurações da Polícia Federal feitas nas operações Vegas e Monte Carlo, que servem de matéria-prima para os parlamentares.
Esses problemas são acrescidos de um comando confuso dos trabalhos decorrente principalmente da inexperiência do presidente, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), e do relator da CPI, deputado Odair Cunha (PT-MG), em CPIs.
Rêgo, por exemplo, admite que comandar uma investigação parlamentar é um terreno ainda inexplorado na sua carreira.
"Quando eu era líder do governo, eu lutava para impedir CPIs. Quando eu fui oposição, lutei para instalar CPI, mas nunca consegui. Então, essa é uma experiência completamente nova para mim", contou o senador à Reuters lembrando dos tempos de atuação parlamentar na Paraíba.
Ele e outros membros da comissão ponderam também que essa CPI é diferente de outras que o Congresso já fez, porque começou com uma investigação detalhada da PF. Normalmente, os parlamentares investigam uma denúncia ou um fato específico que dá origem a uma série de pequenas apurações ao longo dos trabalhos.
Nesse caso, a investigação está pronta e o Congresso tenta aprofundar a amplitude das atividades do empresário Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, no meio político e empresarial.
O foco definido e a investigação de anos dos policiais federais deveria colaborar para a produtividade da CPI, mas não é isso que ocorreu até agora.
Desde os primeiros dias de instalação, os membros da comissão gastaram mais tempo enfrentando polêmicas que não estava diretamente relacionadas com Cachoeira. É o caso da disputa envolvendo os parlamentares e o procurador-geral da República, Roberto Gurgel.
Foram pelo menos duas semanas de debates sobre a conveniência de levar Gurgel à CPI para explicar sua atuação na operação Vegas, que foi concluída em 2009 e usada somente neste ano pelo procurador para apresentar denúncia ao Supremo Tribunal Federal contra o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO) pelo seu estreito relacionamento com Cachoeira.
Os membros da CPI querem saber por que ele demorou tanto para usar o inquérito para apresentar a denúncia.
Gurgel reagiu e disse que os parlamentares que o questionavam queriam apenas desestabilizá-lo pela proximidade do julgamento do mensalão, escândalo deflagrado em 2005, durante o governo Lula, e esquema em que parlamentares receberiam recursos em troca de apoio político ao governo.
A CPI debateu o tema à exaustão e pediu explicações por escrito a Gurgel que atendeu ao pedido.
E somente nesta semana os membros da CPI pediram a quebra de sigilo de Demóstenes, que deveria ser um dos focos da investigação.
"Isso tem acontecido porque o relator é muito fraco. Sofre muita pressão. De dia diz uma coisa e à noite diz outra", avaliou um parlamentar do PT que integra da CPI ao se referir ao petista Odair Cunha (MG), que relata os trabalhos da comissão.
A reclamação demonstra ainda que a base governista está desarticulada na CPI e sofre com disputas internas nas bancadas do PT e do PMDB e entre elas também
Exemplo disso, foi a convocação, na quarta-feira, do governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, do PT, para depor da CPI. Mesmo com ampla maioria no plenário, os partidos aliados não impediram o constrangimento a um governante do partido da presidente Dilma Rousseff.
O PMDB tentou articular na terça-feira com o PT para que a quebra do sigilo bancário da construtora Delta fosse seletiva e atingisse apenas as contas que abasteceram empresas ligadas a Cachoeira. Mas os petistas não cumpriram o acordo e aprovaram a quebra irrestrita.
A desarticulação é comemorada pela oposição, que vê a situação como uma oportunidade de evitar que as investigações se restrinjam ao governador de Goiás, o tucano Marconi Perillo.
"É verdade, nunca houve uma base governista tão desarticulada", analisou o líder do PSDB no Senado, Álvaro Dias (PR), que admite que a situação de Perillo "não é fácil".
Fora a desarticulação e a falta de documentos, o presidente da CPI disse que fica "angustiado" de ter de lidar com o ego dos deputados e senadores, sempre dispostos a fazer discursos para os eleitores nas sessões da comissão.
Rêgo costuma dizer que "se não fosse aquela luzinha vermelha" das câmeras da TV Senado e das demais emissoras sua vida seria muito mais fácil.
Outra dificuldade que tem sido enfrentada pela comissão é o silêncio dos depoentes. Todos os nove suspeitos de participar no suposto esquema convocados para prestar esclarecimentos se recusaram a responder às perguntas dos parlamentares, entre eles Cachoeira e Demóstenes.
Mas Rêgo espera que nas próximas semanas a investigação parlamentar avance, já que muitos documentos estão chegando à comissão de forma acessível e que os parlamentares finalmente se debrucem sobre eles para apurar a atuação de Cachoeira
JEFERSON RIBEIRO/Estado
Nenhum comentário:
Postar um comentário