"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

abril 26, 2010

BRASIL: DESINDUSTRIALIZAÇÃO GRADUAL?

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Autor(es): Paulo Godoy - O Estado de S.Paulo O Estado de S. Paulo -

Nos últimos dez anos, a indústria brasileira está diante de um novo desafio . A partir de uma abundância da liquidez internacional, países como o Brasil, com elevada taxa interna de juros, passaram a atrair capitais à procura de melhor remuneração.

Isso, aliado aos bons resultados da conta do comércio exterior brasileiro após 2003/2004, resultou em uma entrada maciça de recursos externos. O mercado de câmbio brasileiro voltou a ser pressionado, consumindo grande parte dos ganhos de competitividade comparativa que a indústria nacional promoveu nos últimos anos.

Melhorar a competitividade da indústria brasileira significa promover algumas reformas estruturantes, pois, em muitas empresas, não há mais muito espaço para ganhos de competitividade "da porta para dentro", mas somente "da porta para fora".

É mandatório reduzir e redirecionar a carga tributária. A legislação que regula as relações de trabalho requer flexibilidade, de forma que companhias com características, porte e mercados regionais distintos possam encontrar em comum acordo com os empregados as regras, a remuneração e os benefícios mais condizentes com a realidade de cada um.

O custo de capital e as péssimas condições de logística no Brasil são outros dois ingredientes que minam a competitividade do produto brasileiro, exigindo mais investimento em infraestrutura.

Mas, mesmo que equalizados os custos tributários, trabalhistas, financeiros e de logística, é preciso corrigir desequilíbrios com um dos principais parceiros comerciais do Brasil: a China.

Em certo sentido, a China replica o modelo asiático de desenvolvimento e industrialização que foi utilizado anteriormente pelo Japão e pelos tigres asiáticos.

Em outras palavras, ela mantém a moeda depreciada em um ambiente de elevada taxa de investimento produtivo no mercado interno, utilizando-se da demanda externa como um vetor importante para o crescimento.

A estrutura produtiva industrial global está sendo novamente moldada e o Brasil, com certeza, não ficará imune a isso.

Essa inserção chinesa no plano global tem provocado mudanças significativas na estrutura produtiva dos países, com o deslocamento de plantas e o fechamento de atividades produtivas. Mesmo que não cessem atividade, muitas empresas desativam etapas fabris de forma gradual, representando uma lenta e penosa perda de densidade da indústria.

No limite, algumas que possuíam uma atividade significativa, viraram praticamente firmas de montagem ou distribuidoras de produtos importados meramente colocando marca própria no produto. Por trás ainda há o fato de o Brasil contar com enormes estoques em produtos naturais que, quando exportados, causam nova pressão sobre o câmbio, considerando a tendência de elevação dos preços de commodities. A diplomacia brasileira terá de ser extremamente ativa e realista.

A situação é desigual, pois, à medida que o Brasil pratica o câmbio livre, a China se dá ao luxo de praticar um câmbio controlado diante da enorme poupança interna acumulada. Enquanto nenhuma correção é feita, o Brasil já pode ter ingressado, mesmo sem o saber, em um processo lento e gradativo de desindustrialização silencioso, à medida que as indústrias vão penosamente se moldando à nova realidade em que não é possível competir em face do novo cenário global.

Quando esse processo se tornar ruidoso, talvez seja tarde demais.


É PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO

BRASILEIRA DE INFRAESTRUTURA E INDÚSTRIAS DE BASE (ABDIB)

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