A menos de um mês das eleições municipais, o País continua mergulhado em dúvidas quanto aos caminhos definidos para suas escolhas - e sujeito a eventuais acontecimentos que poderão ser graves.
Trata-se do modelo de urna eletrônica adotado para a votação, que especialistas já há algum tempo vêm mostrando que é suscetível a fraudes e teve seu modelo recusado por dezenas de países.
Mas, ainda assim, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) insiste em mantê-lo, sob a alegação de que outro modelo teria custo alto, permitiria identificar o votante (quebrando o sigilo do voto) e poderia retardar a votação, se implantado.
A história recente nessa área tem lances dramáticos.
Para ficar apenas em um, pode-se retornar à eleição presidencial de 1989, quando um dos candidatos, Leonel Brizola, contestou a decisão do TSE de mandar para o segundo turno, contra Collor de Mello (que tivera 20,6 milhões de votos), o candidato Lula, com 11,62 milhões (Brizola tivera 11,16 milhões, 456 mil menos).
Mas o presidente do TSE, o então ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Francisco Rezek, alegou que a recontagem seria impossível, porque as cédulas usadas pelos eleitores já haviam sido incineradas.
Rezek depois renunciou ao STF, tornou-se ministro de Collor e, ao deixar o Ministério, foi nomeado de novo ministro do STF - caso único na História nacional.
De lá para cá houve denúncias em outros casos, escaramuças. Mas não se avançou.
Há uns poucos anos a Câmara dos Deputados, que pretendia preparar um novo sistema para 2014, pediu parecer do TSE sobre os caminhos a seguir.
O tribunal, entretanto, alegou não ser necessário, dada a confiabilidade que atribuía ao sistema vigente.
A Câmara pediu, então, a um "comitê multidisciplinar independente" (CMI), composto de dez pessoas, entre elas juristas e especialistas em tecnologias de informação, um parecer sobre o sistema brasileiro de votação eletrônica, dadas as dúvidas levantas aqui e em outros países.
A principal delas é que, com as regras e os formatos atuais, é impossível para os representantes da sociedade auditar o resultado da apuração.
Como diz o relatório do CMI, "caso ocorra uma infiltração criminosa determinada a fraudar as eleições, a fiscalização externa dos partidos, da OAB e do Ministério Público, do modo como é permitida, será incapaz de detectá-la".
Por isso julga necessário "regulamentar mais detalhadamente o princípio da independência do software em sistemas eleitorais, definindo claramente as regras de auditoria com o voto impresso conferível pelo eleitor".
Fraudes eleitorais ocorrem no mundo todo (basta relembrar as que Al Gore alegou na sua disputa com Bush). E no mundo todo, em dezenas de nações, o sistema adotado pelo Brasil não é aceito.
O último país que o adotava, a Índia, mudou no ano passado.
A Venezuela já mudara em 2004,
assim como a Argentina,
o Peru,
o Equador,
a Costa Rica e o México.
O Paraguai desistiu desse caminho, que não aceita o controle da sociedade - basicamente, porque não permite recontagem e concentra poder na autoridade eleitoral. O eleitor não tem como fiscalizar; a segurança eletrônica não é suficiente, "não substitui o exercício da soberania pelo eleitor-médio".
E mesmo que fosse possível, como diz o procurador da República Celso Antônio Três, citado no parecer do CMI, "isso não seria suficiente; impõe-se disponibilizar aos cidadãos, através de suas faculdades normais, motu próprio, a possibilidade de sindicar a devida observância à sua vontade eleitoral".
No atual sistema brasileiro, diz o relatório do CMI, "há exagerada concentração de poderes, resultando num comprometimento do princípio da publicidade e da soberania do eleitor".
Lembra o engenheiro Amilcar Brunazo Filho, especialista em tecnologia de informação e um dos autores do parecer do CMI, que a Alemanha em 2009 considerou contrário ao princípio da publicidade e à sua Constituição o uso de máquinas apenas, sem o voto impresso do eleitor, verificável por ele.
"Máquina eletrônica não basta", concluíram os técnicos alemães, se o eleitor não tem como ver o que foi gravado no registro digital do voto.
"O princípio da publicidade no processo eleitoral era perfeitamente atendido no sistema da votação manual", observa o parecer.
"O eleitor via o conteúdo do Registro do Voto - a cédula eleitoral - antes de ser colocada na urna. Na apuração, todos esses registros do voto eram abertos para serem vistos e contados perante os representantes dos candidatos.
Porém, com a adoção das máquinas DRE no Brasil em 1996 o princípio da publicidade no processo eleitoral eletrônico teve seu alcance restringido".
E se o eleitor não tem como ver ou conferir o que foi gravado no Registro Digital do Voto - feito depois que ele confirma sua escolha -, nunca terá como saber se o registro consignou seu voto conforme digitado.
Trata-se, no todo, de parecer feito por uma comissão independente de partidos ou de qualquer organização, com colaboração espontânea de seus membros, todos experientes na área da legislação e das tecnologias de informação.
E que ainda tem o acerto de suas conclusões referendado pelo professor Diego Aranha e por um grupo de especialistas do Departamento de Ciência da Computação da Universidade de Brasília, que em agosto mostrou na prática que o sistema referendado pelo TSE é vulnerável, permite a quebra de sigilo dos votos.
Não é preciso ter muita imaginação para supor que, num país com as dimensões do Brasil, mais de 5.500 municípios, existe a possibilidade de tentativas de fraude. Se o mundo todo está dizendo que nosso sistema é vulnerável, por que não mudar ou corrigi-lo?
Identificação digital apenas não resolve, como já se mostrou:
de que adianta pôr no papel as impressões de dez dedos se depois só se podem reconhecer duas?
E ainda é preciso ter em conta que todos os dias surgem notícias de hackers que invadem sites eletrônicos, até de órgãos das nações mais poderosas do mundo.
Cautela, pois.
Um comentário:
Esse é meu maior medo.
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