Na política, quando chove cinismo, é uma tempestade.
Dias atrás, por exemplo, o ainda senador Demóstenes Torres alegou, em desespero de causa, que não seria justo ele perder o mandato por ter mentido aos seus pares sobre as suas relações com o contraventor Carlinhos Cachoeira, com quem trocou pelo menos 300 telefonemas, segundo a Polícia Federal.
Mentir, sofismou o desmascarado paladino da ética numa das sete vezes em que discursou para se safar da cassação, é uma questão de consciência, não de quebra de decoro parlamentar, até porque os legisladores são invioláveis por suas palavras e atos.
Corte para a sala de sessões da CPI do Cachoeira, onde o prefeito petista de Palmas, no Tocantins, Raul de Jesus Lustosa Filho, tenta se defender do indefensável: a proposta que fez ao bicheiro em 2004 pela qual, em troca de recursos para a campanha, a empreiteira Delta receberia de mão beijada um contrato de coleta de lixo na capital.
Pobre político:
ele ignorava que Cachoeira tinha escondido uma câmera de vídeo no ar-condicionado do escritório onde se reuniam, na cidade goiana de Anápolis.
A fita foi descoberta com diversas outras pela Polícia Federal na casa do ex-cunhado do contraventor.
"Tive a infelicidade de ser filmado", lamentou-se o prefeito negocista.
Aplica-se aos dois casos o implacável dito popular:
"Vergonha não é roubar; é roubar e não poder carregar".
Demóstenes enganou muita gente durante muito tempo. Raul Filho só enganou os que gostavam de ser enganados, ou pouco se lhes dava, como o ex-presidente Lula, que agasalhou no PT o político que começou a vida no PDS (a ex-Arena da ditadura militar) em 1982, passou para o PFL (atual DEM), daí para o PSDB e, enfim, para o PPS.
Agora, transpirando indignação, os companheiros preparam o seu desligamento da sigla, como se nunca antes tivessem encontrado o menor indício de má conduta do prefeito eleito e reeleito sob a sua bandeira. Tanto encontraram que tentaram expulsá-lo no ano passado, mas ficou por isso mesmo.
Raul de Jesus Lustosa Filho é uma figura.
"O senhor Carlos Cachoeira (sic) nunca fez doação para a minha campanha", disse à CPI, alegando ainda não se lembrar como veio a conhecer o interlocutor nem se sabia de suas atividades no ramo da batotagem.
"E nenhuma empresa (dele) venceu qualquer licitação durante o meu governo."
De fato, o bicheiro não é formalmente acionista da Delta - com a qual a prefeitura de Palmas firmou seis contratos em sete anos para a coleta de lixo. Mas ele, Raul, não teve nada com isso.
Quem cuidava das licitações municipais era uma certa Kenia Duailibe, coincidentemente sua cunhada. Quem as fiscalizava era outro cunhado.
Decerto uma coisa também nada tem que ver com a outra, mas a irmã de Kenia e mulher de Raul, a deputada estadual, também pelo PT, Solange Duailibe, tem uma assessora em cuja conta a Delta depositou R$ 120 mil. À CPI, o prefeito não negou o depósito, mas disse não saber por que foi feito e para que teria sido usado.
O cinismo de Raul enfureceu os inquiridores tanto da oposição como da base aliada, enquanto os membros petistas do colegiado, à exceção do relator Odair Cunha, de Minas Gerais, faziam a proverbial cara de paisagem.
Um deputado, Chico Alencar, do PSOL fluminense, disse que o prefeito encarnava o "padrão degradado" da política nacional.
Esse padrão se materializa no trânsito dos políticos pelas siglas, reduzidas a cabides de candidaturas em benefício das caciquias que as controlam. A conivência com a corrupção vem de cambulhada. Ainda agora, o País acompanha, bestificado, as alianças mais improváveis para as eleições municipais de outubro próximo.
O pacto entre o PT de Lula e o PP de Paulo Maluf em torno do ex-ministro Fernando Haddad em São Paulo só virou escândalo por causa da teatralização exigida pelo ex-prefeito.
Já o dono do PSD, Gilberto Kassab, que apoia na capital o seu antecessor tucano José Serra, impõe ao partido em Belo Horizonte uma aliança em torno do candidato do PT - que só se explicaria, segundo se especula, pela ambição de se tornar ministro de Dilma Rousseff no ano que vem.
O que os une a todos é o descaramento.
O Globo
Dias atrás, por exemplo, o ainda senador Demóstenes Torres alegou, em desespero de causa, que não seria justo ele perder o mandato por ter mentido aos seus pares sobre as suas relações com o contraventor Carlinhos Cachoeira, com quem trocou pelo menos 300 telefonemas, segundo a Polícia Federal.
Mentir, sofismou o desmascarado paladino da ética numa das sete vezes em que discursou para se safar da cassação, é uma questão de consciência, não de quebra de decoro parlamentar, até porque os legisladores são invioláveis por suas palavras e atos.
Corte para a sala de sessões da CPI do Cachoeira, onde o prefeito petista de Palmas, no Tocantins, Raul de Jesus Lustosa Filho, tenta se defender do indefensável: a proposta que fez ao bicheiro em 2004 pela qual, em troca de recursos para a campanha, a empreiteira Delta receberia de mão beijada um contrato de coleta de lixo na capital.
Pobre político:
ele ignorava que Cachoeira tinha escondido uma câmera de vídeo no ar-condicionado do escritório onde se reuniam, na cidade goiana de Anápolis.
A fita foi descoberta com diversas outras pela Polícia Federal na casa do ex-cunhado do contraventor.
"Tive a infelicidade de ser filmado", lamentou-se o prefeito negocista.
Aplica-se aos dois casos o implacável dito popular:
"Vergonha não é roubar; é roubar e não poder carregar".
Demóstenes enganou muita gente durante muito tempo. Raul Filho só enganou os que gostavam de ser enganados, ou pouco se lhes dava, como o ex-presidente Lula, que agasalhou no PT o político que começou a vida no PDS (a ex-Arena da ditadura militar) em 1982, passou para o PFL (atual DEM), daí para o PSDB e, enfim, para o PPS.
Agora, transpirando indignação, os companheiros preparam o seu desligamento da sigla, como se nunca antes tivessem encontrado o menor indício de má conduta do prefeito eleito e reeleito sob a sua bandeira. Tanto encontraram que tentaram expulsá-lo no ano passado, mas ficou por isso mesmo.
Raul de Jesus Lustosa Filho é uma figura.
"O senhor Carlos Cachoeira (sic) nunca fez doação para a minha campanha", disse à CPI, alegando ainda não se lembrar como veio a conhecer o interlocutor nem se sabia de suas atividades no ramo da batotagem.
"E nenhuma empresa (dele) venceu qualquer licitação durante o meu governo."
De fato, o bicheiro não é formalmente acionista da Delta - com a qual a prefeitura de Palmas firmou seis contratos em sete anos para a coleta de lixo. Mas ele, Raul, não teve nada com isso.
Quem cuidava das licitações municipais era uma certa Kenia Duailibe, coincidentemente sua cunhada. Quem as fiscalizava era outro cunhado.
Decerto uma coisa também nada tem que ver com a outra, mas a irmã de Kenia e mulher de Raul, a deputada estadual, também pelo PT, Solange Duailibe, tem uma assessora em cuja conta a Delta depositou R$ 120 mil. À CPI, o prefeito não negou o depósito, mas disse não saber por que foi feito e para que teria sido usado.
O cinismo de Raul enfureceu os inquiridores tanto da oposição como da base aliada, enquanto os membros petistas do colegiado, à exceção do relator Odair Cunha, de Minas Gerais, faziam a proverbial cara de paisagem.
Um deputado, Chico Alencar, do PSOL fluminense, disse que o prefeito encarnava o "padrão degradado" da política nacional.
Esse padrão se materializa no trânsito dos políticos pelas siglas, reduzidas a cabides de candidaturas em benefício das caciquias que as controlam. A conivência com a corrupção vem de cambulhada. Ainda agora, o País acompanha, bestificado, as alianças mais improváveis para as eleições municipais de outubro próximo.
O pacto entre o PT de Lula e o PP de Paulo Maluf em torno do ex-ministro Fernando Haddad em São Paulo só virou escândalo por causa da teatralização exigida pelo ex-prefeito.
Já o dono do PSD, Gilberto Kassab, que apoia na capital o seu antecessor tucano José Serra, impõe ao partido em Belo Horizonte uma aliança em torno do candidato do PT - que só se explicaria, segundo se especula, pela ambição de se tornar ministro de Dilma Rousseff no ano que vem.
O que os une a todos é o descaramento.
O Globo
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