O aumento do crédito e o estímulo ao consumo foram as alavancas usadas pelo governo brasileiro para enfrentar a crise econômica desde 2008. Num primeiro momento, funcionou, mas, repetida por anos a fio, a receita está conduzindo o país a um mau caminho. A desconfiança internacional com o Brasil já começou.
Neste fim de semana, o BIS, uma espécie de banco central dos bancos centrais do mundo, divulgou documento em que alerta para o excesso do crescimento do crédito no Brasil e em outros países emergentes, como China, Índia e Turquia.
Para a instituição, sediada na Basiléia, o risco de descontrole é iminente. Os banqueiros enxergam "desaceleração acentuada" na economia brasileira e, pior, a ameaça de que aqui se repita o estouro de crédito verificado nos EUA há quatro anos e que agora também arrasta a Europa para o buraco.
O BIS fez as contas e concluiu que, nos últimos três anos, o crédito no país cresceu 13,52 pontos percentuais acima do PIB brasileiro. Em outros momentos, uma arrancada desta magnitude no volume de empréstimos, descolando-se do resto da economia, redundou em ondas de quebradeira. Tomara que não seja o caso desta vez.
No entanto, o nível de endividamento - medido pela proporção do PIB que as famílias destinam ao serviço da dívida - já é tão alto no país quando em fins dos anos 1990. Sem contar financiamentos feitos via crediários em lojas, que não são contabilizados pelo Banco Central, o comprometimento mensal da renda das famílias brasileiras atingiu 22%.
Para se ter ideia, quando a crise das hipotecas foi detonada nos EUA este percentual estava em 16% por lá.
Segundo números da Serasa Experian, a inadimplência do consumidor pessoa física subiu 21% nos últimos 12 meses, na série sem ajuste sazonal. A provisão que os bancos têm de fazer para créditos podres, isto é, aqueles em que o devedor está com o pagamento da dívida atrasado há mais de 180 dias, aumentou 24% até abril.
A situação dos endividados é tão preocupante que os credores estão oferecendo condições especiais para tentar rever o dinheiro emprestado. Segundo O Globo, está em marcha em bancos, financeiras, varejistas e operadoras de cartão de crédito um movimento que só encontra precedentes na época do Plano Collor, quando o Brasil mergulhou numa de suas mais severas crises.
Mesmo com condições facilitadas, a inadimplência não cede. "Diferentemente da crise iniciada em 2008, em que a inadimplência foi causada por uma abrupta escassez de crédito na economia e depois caiu rapidamente quando o fluxo financeiro retornou, o novo patamar de calote foi causado pela expansão, por vezes desordenada, do crédito", avalia o jornal.
Muitos destes novos devedores entraram no mercado de crédito recentemente, incentivados pelo governo federal. Uma parte deste contingente simplesmente não tinha condições de tomar empréstimos, e agora se vê com a corda no pescoço - o mercado de automóveis é onde isso fica mais evidente, com as taxas de calote no nível mais alto desde 2000.
Os alertas quanto aos riscos da escalada do crédito e da inadimplência vêm sendo feitos já há algum tempo. Mas a reação do governo federal veio sempre na direção contrária: botar mais lenha na fogueira do consumo, incentivar o endividamento das famílias e postergar medidas realmente necessárias, como o estímulo ao investimento.
Constata-se, agora, que a "marolinha" que arrebenta as praias do mundo desenvolvido há quase quatro anos, também atinge o Brasil - ainda que, felizmente, em menor grau, por ora. Resta ao governo Dilma Rousseff acordar para a gravidade do problema e deixar de insistir numa estratégia esgotada.
E torcer para que o pessoal que cuida da dinheirama no mundo esteja equivocado.
Fonte: Instituto Teotônio Vilela
Pendurados no crediário
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