As discussões no Congresso para a formulação do Orçamento e, depois, o acompanhamento da execução orçamentária são ritos essenciais nos regimes democráticos. Na ditadura, metas de receitas, gastos e prioridades de despesas são baixadas, sem debate, pelo Executivo.
Já foi assim no Brasil do Estado Novo e do regime militar. Nesse período, houve o problema adicional da superinflação, para tornar ainda mais fantasiosos os números.
As distorções causadas pela inflação na contabilidade pública chegaram ao ponto de, estabilizados os preços com o Plano Real, só então se saber ao certo quanto de fato era arrecadado e se havia superávit ou déficit nas contas.
O controle da inflação e a redemocratização mudaram bastante este cenário, mas o Brasil ainda está longe de ter um Orçamento e uma administração de receitas e despesas transparentes.
Arraigada cultura de centralização do poder no Executivo ainda reserva ao Congresso, aos representantes do povo, papel secundário na elaboração da política de gastos, algo essencial, pois ela deveria refletir consensos em torno de prioridades estabelecidas na mediação política dos parlamentares com a sociedade.
A própria qualidade da representação política não ajuda (a Ficha Limpa ainda levará algum tempo para depurar os quadros partidários).
Soma-se a isso a tradição patrimonialista e clientelista da prática política brasileira, pela qual o Orçamento é grande oportunidade, todo ano, para a barganha por recursos, sem qualquer preocupação com a viabilidade e alcance dos projetos de gastos apresentados. Para muitos, só importa conseguir dinheiro do contribuinte para alimentar currais eleitorais.
Como as negociações de parlamentares com o Executivo passaram a obedecer aos manuais do fisiologismo, degradou-se, ou desapareceu de vez, a função estratégica do Orçamento.
Para piorar, há um grande engessamento nas contas, dado o peso de gastos polpudos e inamovíveis, caso da Previdência, folha de salários do funcionalismo e de todo o conjunto de despesas assistencialistas. Assim, restam menos de 10% do Orçamento para a União executar de fato "políticas públicas".
Tudo o mais é dinheiro com destino pré-definido.
Sobra, então, um espaço estreito para o Congresso atuar. E, quando ele atua, debruça-se no balcão de barganhas de baixa política com o Executivo, em torno das emendas parlamentares. Tem sido assim há muito tempo.
Há todo um jogo de faz de conta, no qual as estimativas de receitas e despesas enviadas previamente pelo Executivo são alteradas, remanejadas para serem encaixadas demandas parlamentares. Deputados e senadores devem mesmo defender suas regiões. É assim em qualquer democracia.
Mas no Brasil todo esse processo foi distorcido pelo fisiologismo e clientelismo.
Receitas são artificialmente infladas, para viabilizar a apresentação de emendas parlamentares. Depois, o governo "contingencia" - ou corta - a projeção de despesas, as quais todos sabem não serem realistas. E, a depender do comportamento das receitas, se abrirão ou não os cofres para atender às emendas. Os aliados, claro, recebem tratamento prioritário.
A segunda etapa é conseguir "empenhar" a emenda em algum ministério. Se o ministro for do mesmo partido do político, tudo bem, em princípio. Caso contrário, algum pedágio poderá ser exigido (vide escândalo no Transporte do PR de Alfredo Nascimento). O Orçamento virou um grande palco para exibições de clientelismo e fisiologismo.
O Globo
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