"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

novembro 16, 2011

POIS É! "Se a China é tão produtiva, como é que eu fiz todo o meu dinheiro no Brasil?" Tem algo errado.

De 1980 a 2010, o PIB do Brasil cresceu 4vezes, contra 40 vezes o da China e menos que o dos EUA

A combinação do tamanho da economia, caminhando para desbancar as antigas potências europeias no ranking das maiores do mundo, com o atraso do bem-estar social em relação ao ritmo do Produto Interno Bruto (PIB) é um sinal, talvez o melhor, do perfil ineficiente do desenvolvimento brasileiro, ocultado pelo marketing triunfalista dos governantes.
De todos os das últimas décadas, do PSDB ao PT.

Termos o 6º maior PIB do mundo e estarmos na 84ª (e não na 86ª, como publicamos no domingo) posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) apurado pelas Nações Unidas junto a 187 países têm a ver com nossa capacidade de gerar e acumular riquezas e com a incapacidade de redistribuir renda e prover infraestrutura para o crescimento — conforme comentário do leitor Lallamand de Souza, de Brasília.

Se a economia cresce com relativa estabilidade, embora a um ritmo menor que o de outros emergentes, sobretudo da Ásia, significa que a política econômica, função do governo, e as atividades privadas, que dependem de decisões empresariais, estão em harmonia.

Há muito que melhorar, mas já foi pior e a tendência está na direção certa.

Já o mau resultado das transformações sociais no IDH, que capta a expectativa de vida, o grau de escolaridade da sociedade e a renda média entre outros indicadores de qualidade de vida, sugere que as políticas públicas que conectam o crescimento econômico com o bem-estar coletivo ainda estão distantes de serem as mais adequadas.

Falta-lhes melhor conceituação, gestão mais competente ou as duas coisas juntas, o que é o mais provável. A recorrência das questões de saúde, educação, transportes públicos e segurança nas campanhas eleitorais indica que os políticos têm consciência sobre o que os eleitores mais carecem.

Como geralmente propõem soluções pontuais, especialmente nas campanhas presidenciais, significa que se veem impotentes para oferecer políticas abrangentes ou que desconhecem os meios para acelerar a transmissão dos frutos do progresso.

A separação entre a concepção da política econômica das políticas sociais é o problema de origem. Até meados de 1980, o Brasil vinha vários corpos à frente da China e Coreia do Sul em termos de PIB, renda per capita, grau de escolaridade e taxa de pobreza extrema.

Trinta anos depois, nós continuamos no bloco dos retardatários, a Coreia do Sul entrou no grupo das sociedades avançadas e a China se tornou potência industrial e a segunda maior economia do mundo.

A China já esteve atrás

O detalhe relevante é que a Coreia erradicou a pobreza e a China, com mais de 1 bilhão de habitantes, incorporou mais de 300 milhões à sociedade de consumo. A Índia lhe segue, fazendo tal trajetória, embora com maiores dificuldades. O Brasil também.

A rigor, não andou para trás nestas três décadas. Mas andou devagar, mais que os EUA, a potência que muitos supõem, a meu ver com exagero, em decadência.

O resultado, segundo um instigante ensaio do economista Jonathan Anderson, do UBS em Hong Kong, é que a China investiu mais de 40% de seu PIB, o que lhe possibilitou crescer ao ritmo de 10% reais nos últimos 30 anos.

O Brasil investiu menos da metade. Não por acaso a economia cresceu, em média, abaixo de 3% no mesmo período.

O que atrasa o Brasil

Tais comparações permitem iluminar o que atrasa o Brasil frente a outros países. Entre 1980 e 2010, o PIB brasileiro cresceu quatro vezes pelo conceito de paridade de poder de compra, que abstrai as oscilações cambiais.

Tal ritmo, destaca o economista Anderson, foi menor que o de economias maduras, portanto, com menor potencial de crescimento, como EUA, Inglaterra, França ou Alemanha.

Só isso já seria preocupante. E preocupa mais ao se saber que, nos mesmos 30 anos, a economia chinesa cresceu 40 vezes. Para os países mais bem-sucedidos, criação de empregos e aumento de salários, no passo seguinte (como ocorre na China há três anos), acompanhado de educação universal de qualidade, alicerçam as políticas sociais.

A inspiração da Ásia

No Brasil, em grande parte das últimas três décadas, encolheu-se o emprego para gerar produção exportável que solvesse as finanças do Estado, como se exige atualmente dos países endividados da Zona do Euro, e depois se esgarçaram as políticas de transferência de renda para compensar os desníveis sociais e recuperar o atraso.

É tempo de repensar se os frutos sociais do crescimento já não deveriam estar incorporados à política econômica, em vez de ser um corpo à parte, elegendo-se o emprego e a educação como prioridades determinantes para o desenvolvimento humano, e a produtividade dos fatores de produção para a atividade econômica. Na Ásia, é assim.

Paraíso de rentistas

A questão toda é mais complexa que o espaço de uma coluna. Mas já basta considerar que não se pode governar à revelia do que se faz no mundo para se avançar.

A liberalização das economias na América Latina nos últimos 15 anos, diz, por exemplo, o economista do UBS, foi feita quando a capacidade industrial e exportadora da Ásia já estava "firmemente estabelecida".

Mas mais perturbador é o que ele descreve para a última década:
o retorno das aplicações em reais foi superior a 300%, o dobro do obtido na China, o que ele atribui à mistura de inflação com moeda valorizada no Brasil.

Entende-se porque intitulou o seu ensaio assim: "Se a China é tão produtiva, como é que eu fiz todo o meu dinheiro no Brasil?"
Tem algo errado.

Antônio Machado Correio Braziliense

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