A corrupção no Brasil é tratada como um desvio da norma, um pecado contra a lei de Deus. Não é. A corrupção no Brasil é hoje um importante instrumento político, quase um partido. Nos últimos anos adquiriu novas feições, virando um "quarto poder". Antigamente, a corrupção era uma exceção; hoje é uma regra.
E não se trata mais de um "que horror" ou "que falta de vergonha" - ficou claro que o País está inibido para se modernizar, porque a corrupção desmedida cria "regras de gestão". O atraso no Brasil é um desejo colonial que persiste e dá lucro.
Só agora estamos vendo o tamanho dessa mutação, quando o Executivo tenta a "faxina" e depara com a resistência indignada do Congresso. Deputados resmungam pelos cantos: "Aonde tudo isso vai parar?"
Um bloco de 201 deputados comunicou que "enquanto não se resolverem os problemas de cargos e emendas, não se vota mais nada..." Tradução: "enquanto não deixarem a gente roubar em paz, como nos bons tempos do Lula, não se vota nada." Congressistas reclamam que Dilma "não respeita as regras do jogo".
Ladrões de galinha reclamam contra algemas, contra as belas fotos de presos de peito nu (que adorei...), detalhes ridículos comparados aos crimes de bilhões no turismo, agricultura e transportes e outros que virão.
Dizem: "Se ela continuar assim, não chega ao fim do mandato..." O próprio Lula telefonou para a presidente: "Dilma... pega leve com o PMDB..."
Ou seja, há um país paralelo de políticos, ONGs fajutas, empresários malandros com leis próprias - o legado de Lula, que transformou uma prática criminosa dissimulada em descarada "normalidade". Essa foi a grande realização de seu governo e se divide em duas fases.
Quando Lula chegou ao poder em 2002, havia um "Comitê Central" que o orientava (ou desorientava). Esse grupo de soviéticos desempregados viu, na sua vitória, a chance de mudar o Estado, usando a democracia para torná-la "popular", uma tosca versão remendada de "socialismo".
Para isso, era necessário, como eles dizem, "desapropriar" dinheiro de um sistema "burguês" para fins "bons". Essa racionalização adoçava a água na boca dos ladrões na hora do ato, pois o véu ideológico de um remoto "Bem futuro" os absolvia a priori.
Nessa fase, Lula foi um coadjuvante - sabia de tudo e nada fazia, para deixar os "cumpanheiro" cumprir sua tarefa. Roberto Jefferson, com sua legítima carteirinha, destruiu a quadrilha que angariava grana para eleger o Dirceu presidente em 2010.
Com sorte, Lula livrou-se da tutela de soviéticos e pôde, no segundo mandato, realizar seus sonhos de grandeza, que acalentava desde que descobriu que ser líder carismático dos metalúrgicos era bem melhor do que trabalhar.
Aí surgiu o novo Lula: uma miniatura, um bibelô perfeito para triunfar na mídia aqui e no Exterior. Ele é portátil, com um nome tão legível e íntimo como "Pelé". Lu-la, como "Lo-li-ta", como Nabokov enrolava a língua para descrevê-la... Lula conta com a absolvição a priori por ser um operário, um "excluído que se incluiu".
Lula é um mascote perfeito: baixinho, barbinha "revolucionária", covinhas lindas quando ri, voz grave para impressionar em seriedade, talento para forjar indignação como se fosse vítima de alguma injustiça ou como o próprio povo se defendendo.
Esquemático e simplista, mas legível para o povão sem cultura e para os estrangeiros desinformados, Lula resume em meia dúzia de frases a situação geral do País, que teve a sorte de ser um dos emergentes cobiçados pela especulação internacional.
Com a estabilidade herdada do governo anterior e com dinheiro entrando, ele pôde surfar em seus truísmos sem profundidade, como se a verdade morasse na ignorância.
Lula não governou para o PT nem para o País; governou para sua imagem narcisista, governou em "fremente lua de mel consigo mesmo", num teatro em que éramos a plateia.
Seu repertório de frases feitas é composto dos detritos de chavões dos seus ex-soviéticos sindicalistas: fome x indigestão, elite e povo, imperialismo americano e Terceiro Mundo que incluía até o Kadafi e outros assassinos.
Claro, sempre houve corrupção (com FHC, com todos), mas era uma prática lateral, ainda dissimulada. A grande "inovação" (essa palavra da moda) de Lula foi apropriar-se (com obsceno oportunismo) de 400 anos de corrupção endêmica e transformá-la em alavanca para governar, mantendo sua fama de "tolerante e democrático".
No seu ideário, feito das migalhas que caíram da mesa leninista, "corrupção" é coisa "menor", é problema de pequeno-burguês udenista. Pensou: "No Brasil, sempre foi assim; logo, o importante é me deixarem curtir o mandato, hoje que eu sento ao lado de rainhas, com o aval de uma "santidade" de esquerda que peguei dos comunas que me guiaram."
Ele se confundia com o Estado. Se ele ia bem, o Brasil também.
Essa foi a "palavra de ordem" para o ataque geral a todos os aparelhos do Estado pelos ladrões. Sua irresponsabilidade narcisista deixou Dilma nesta sinuca histórica: se não fizer nada contra as denúncias insofismáveis, perde poder e prestígio; se fizer, perde também.
Quem ganha com isso? Só ele e a coligação dos escrotos interpartidários. Se nossa abobalhada oposição conseguir uma CPI contra o governo Dilma, isso só beneficia o PMDB e aliados da caverna de Ali Babá. Ainda bem que alguns senadores decentes se unem para dar apoio à faxina das donas de casa do Executivo. A opinião pública também dá sinais de reação.
Vamos ver.
Pelas mãos de Lula, instituíram a chantagem como método político.
Lula inventou a "ingovernabilidade" a que assistimos. Os assaltantes estão com saudade e querem que ele volte para normalizar tudo, como um "Luis Inácio Bonaparte da Silva", como um "caudilho da vaselina". Tudo o beneficia para 2014. Temíamos um "peronismo" sindicalista no País, mas isso não existe. Só existe o PMDB.
Arnaldo Jabor O Estado de S. Paulo
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