"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

julho 06, 2011

EX-GUERRILHEIRA,BUROCRATA,"GERENTONA" IMPLACÁVEL,FRENÉTICA/EXTRAORDINÁRIA...: GRITAR NÃO RESOLVE!

Nossa Constituição foi preparada para atender à tendência parlamentarista de seus autores. Mas na última hora, por obra e graça de um espírito pelintra baixado do Planalto na gestão Sarney, tornou-se presidencialista a muque, instituindo um sistema de governo de coalizão que atormenta os chefes do Poder Executivo e trai a vontade do cidadão.

Eleito duas vezes seguidas logo no primeiro turno, montado no alazão do Plano Real, que promoveu a maior revolução social da História do Brasil, o tucano Fernando Henrique Cardoso - é verdade - compôs um complicado bloco de apoio que não sabotou em nenhum instante sua autoridade de chefe de governo.

Mas também é fato que, ao longo de seu segundo mandato, o desgaste a que foi submetido o tornou alvo favorito dos adversários oposicionistas e companhia incômoda dos aliados.

Malandro, manhoso e esperto, o petista Luiz Inácio Lula da Silva entrou para a galeria dos grandes conciliadores de nossa História rompendo com a intransigência de origem de seus partidários para acolher à sombra do poder a rafameia da politicalha nacional, que tanto execrava antes.
Tudo em nome da governabilidade.

Até hoje não parecem suficientemente claras as intenções do ex-presidente ao indicar Dilma Rousseff para o posto-chave da chefia da Casa Civil e, em seguida, fazê-la sucessora. Sejam quais tenham sido, é certo que não foi pelas semelhanças entre seus estilos.

Lula, negociador habilidoso, treinado na luta sindical, e Dilma, ex-guerrilheira e burocrata com fama de "gerentona" implacável, têm abordagens opostas em relação aos políticos.

O ex sempre proclamou seu desapreço, beirando a náusea, por ademanes e maracutaias (o termo é de sua preferência) da política clássica, com suas chalaças, negaças e traições, mas praticou-os como poucos o fizeram "antes na História deste país".

(...)
Sem vocação para irmã Dulce, ela atravessou o primeiro semestre de sua gestão entre tapas dirigidos a aliados recalcitrantes e beijos destinados a antigos desafetos de sua grei e demônios de suas crenças.

O presidencialismo de ocasião e coalizão propicia a prática da fritura depois do banho-maria, que faria o florentino Maquiavel corar.
Nunca Lula apunhalou sem antes anestesiar a vítima com muita saliva. Dilma revela preferência pelo tranco como método de persuasão.
(...)
Não parecia ainda ter sido absorvida a cusparada do ministro da Defesa quando nova crise surgiu com notícias de reclamações intramuros de Dilma contra seu ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, presidente nacional do PR, um partidinho aliado.
(...)
Chegou a ser anunciado que os quatro principais burocratas envolvidos no escândalo tinham sido demitidos, mas isso não foi confirmado: um tirou férias e de outro não se sabe bem.
Um vexame
!
Vexame maior foi que a cabeça do presidente da sigla aliada foi mantida sobre o pescoço, com o bônus do apoio público da própria Dilma, que se limitou a determinar que Alfredo Nascimento apure as denúncias com rigor, seguindo a praxe lulista de dar ao réu poderes de juiz sobre si mesmo.

Se Lula lambia o local da ferida antes de apunhalar, Dilma grita, mas nem sempre demite. Ou seja, a dependência dos votos das bancadas situacionistas nos embates do Congresso mantém a presidente refém dos interesses subalternos dos aliados.

Isso é trágico para o Estado Democrático de Direito, pois Dilma foi eleita pela maioria do eleitorado para exercer plenamente o Poder Executivo e isso não ocorre pelas dificuldades da chamada governabilidade.

Pode-se argumentar que, tendo herdado essa situação de dois governantes habilidosos, sem contar com idêntica prática em manhas e mumunhas, o máximo que ela pode fazer é tentar forçar um pedido de demissão pela técnica mal-educada da humilhação testemunhada.

Se a prática prospera, o espírito republicano tenderá a definhar até morrer, se é que ainda não morreu.
Ou Dilma reage e resolve, ou poderá naufragar e levar junto a estabilidade.

José Nêumanne

Íntegra/Original :

Gritar sem demitir só humilha, não resolve

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