"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

abril 27, 2011

A DISTÂNCIA ENTRE O DISCURSO E A PRÁTICA NO GOVERNO DA "FRENÉTICA E EXTRAORDINÁRIA"

É bem-vinda a disposição do governo Dilma de combater "diuturnamente e noturnamente" a inflação, conforme afirmado ontem pela presidente da República perante o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.

É também mais que bem-vinda a decisão,
anunciada ontem, de conceder os principais aeroportos do país à exploração privada. O problema é a distância entre o discurso petista e a prática.

O governo aproveitou a primeira reunião do Conselhão - um balaio de gatos que junta dezenas de lideranças empresariais, sindicalistas, artistas e gente de todo o tipo - para reafirmar o compromisso com o combate à inflação.

O que mais espanta é que, nesta altura do campeonato, com os preços em franca disparada, ainda se esteja tendo de perder tempo em tentar convencer o público com o gogó, ao arrepio de ações concretas.


Mais grave ainda é que Dilma, Fazenda e Banco Central agora se manifestam em uníssono, atribuindo a inflação a fatores globais.
Apontam todos para o culpado errado.

Guido Mantega chegou a dizer que não estamos tão "mal na foto", embora os próprios dados que apresentou ontem indiquem que a escalada de preços no Brasil só perca para as da Índia, Rússia e Argentina.


O diagnóstico é equivocado porque o país sofre com uma inflação diretamente resultante da leniência do governo passado, que disparou os gastos públicos e incentivou crédito e consumo além da conta para eleger a atual presidente.

Ou seja, ao fator global, que efetivamente existe, juntam-se razões absolutamente domésticas. Paga-se hoje o que poderíamos chamar de "custo Dilma", vitimando principalmente os mais pobres e quem vive de salário em geral.


Isso é fato, que até a presidente enfim admitiu ontem, embora meio a contragosto: "Além dessas pressões internacionais, hoje, nós sabemos também - e não vamos esconder esse fato - que a nossa inflação subiu devido a choques internos", registrou a Folha de S.Paulo.
A postura contrasta com o que ela vinha defendendo - inclusive em sua mais enfática manifestação recente sobre o assunto, na entrevista que deu ao Valor Econômico em março.


Os números oficiais confirmam o peso desproporcional e fundamental do gasto público na atual disparada de preços.
Mantega escancarou-os ao Conselhão ontem. No ano passado, em que o país crescia vigorosamente, foi praticada uma política fortemente expansionista e as despesas públicas subiram quase 20%.


A maior parte dos diagnósticos sugere que é preciso desacelerar gastos e, consequentemente, a economia para conter a inflação, unanimemente tida como o mal maior a ser evitado.
Mas neste ano as despesas do governo voltarão a crescer com força:
mais 7,1%, ou quase o dobro do que o crescimento projetado para o PIB. Segundo Mantega, é para "não matar a galinha dos ovos de ouro".
Desdenha ele que a inflação é capaz de dizimar todo o galinheiro.


A distância entre a preocupação com a inflação e as ações da equipe econômica também pode ser verificada por outro aspecto:
os juros, principal arma para debelar preços.
Cristiano Romero mostra hoje no Valor Econômico que o último aumento, decidido na semana passada, na realidade resultou numa taxa de juro real mais baixa do que a que vigorava dois meses atrás.


Em princípio de março, a taxa real estava em 6,88% ao ano e agora caiu para 6,65%, considerando os juros futuros de 360 dias e as expectativas de inflação para os próximos 12 meses.
A despeito de a inflação só ter aumentado, o juro de hoje é praticamente o mesmo de janeiro. "Em resumo, o quadro é este:
enquanto os agentes do mercado acreditam que a inflação será maior neste e no próximo ano, o BC pratica juro real menor para enfrentar o problema".


As contradições petistas também se manifestam na intenção de conceder os aeroportos à iniciativa privada, agora oficializada. Trata-se de medida tão aguardada quanto sistematicamente postergada pelo PT ao longo dos últimos oito anos.
As concessões sempre foram demonizadas na gestão Lula, com aval da então chefe da Casa Civil e hoje presidente da República.


A pressa de agora justifica-se pelo cenário de caos que já se vive nos aeroportos brasileiros e que só tende a aumentar.
Dos 67 terminais administrados pela Infraero, cinco já deverão ser concedidos até julho, com investimento de R$ 4 bilhões.
Mas, mesmo quando estiverem prontas, as obras de reforma dos terminais já chegarão defasadas:
daqui até a Copa, o fluxo de passageiros deve crescer 45%, superando em muito as projeções da Infraero.


Tanto no caso da inflação quanto no dos aeroportos, o PT está tendo de dobrar-se aos fatos. O partido está vendo seu discurso ser superado pela dura realidade.
Tanto melhor para o país que dogmas perniciosos para a sociedade brasileira sejam abandonados em favor dos interesses da população.
O importante é que este novo discurso seja incorporado à prática cotidiana do governo.


Fonte: ITV

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