Depois do Fantástico
Há mais de dez anos este foi o título de um texto que escrevi, no qual apontava que as medidas dos governos em combate a algum problema só vinham após denúncias no famoso programa de TV.
Isso servia para o governo federal, para os estaduais, para os municipais e até para quaisquer instituições, mesmo as organizações não governamentais, e muito mais nas ligadas direta ou indiretamente a Administração Pública.
Pois, após dez anos, não há problema que seja detectado antes pelas autoridades; as medidas só veem depois de denúncias na imprensa. O caso do menino baleado por policiais em Manaus apenas exemplifica. Porém, todas as autoridades só tomam uma medida, sempre tímida, sempre recheada de desculpas, depois de se tornarem públicas.
Logo após as denúncias pela imprensa, as primeiras negativas vem dos envolvidos.
Eles negam afirmações gravadas há poucos minutos, ou até há algumas horas.
Depois, vêm as explicações das autoridades por que nunca fizeram nada antes. A população encaminha inúmeras cartas às seções dos jornais e revistas, telefonemas indignados às emissoras de rádios e de televisões. Nada mais.
As famosas sindicâncias são abertas e os resultados todos já conhecem.
Anteriormente as denúncias geralmente só recaíam sobre funcionários do baixo clero. Mas, a corrupção foi galgando postos e já chegou a derrubar dois ministros da Casa Civil.
Os casos são tantos que talvez ninguém mais se lembre de Waldomiro Diniz, José Roberto Arruda, Maurício Marinho, que desencadeou a máfia do mensalão, Ari Artuzi, prefeito de Dourados, todos flagrados recebendo dinheiro, de Erenice Guerra.
Nenhum superior sabia de nada.
Existem fatos mais amplos que causam prejuízos e mortes sem nunca haver punição alguma. Em 2007 um pedaço do estádio da Fonte Nova voou e 8 vidas se foram. Na final de 1992, outros tantos morreram no Maracanã. Assassinatos de torcedores viraram rotina e por muito tempo só se ouviu desculpas.
Depois de muitas mortes, algumas medidas óbvias praticamente resolveram o problema. Mortes existiram, assassinos punidos, nenhum. Além desses, assassinatos em pacotes também existiram, sem nenhum culpado.
Somente a negligência institucionalizada explica por que as medidas só são tomadas após a publicidade. Quando os filhos mudam de comportamento em casa, seus pais ou responsáveis percebem.
Quando um funcionário de empresa privada muda de comportamento, seu chefe percebe. Quando um departamento vai mal, os diretores da empresa desconfiam.
Apenas nos serviços públicos a percepção cabe à gente de fora, especialmente à imprensa.
Não pode ser razoável que haja necessidade da imprensa mostrar as condições das estradas, da qualidade do ensino público fundamental e médio, de mostrar o atendimento médico, dos ônibus lotados, da sujeira das cidades.
Bastaria que as autoridades superiores exigissem dos seus subalternos que cumprissem suas funções; dos órgãos fiscalizadores que investiguem e tomem medidas preventivas; e da Justiça que puna imediatamente como determina a lei.
Efetivamente criou-se a cultura de que tudo pode, desde que não se torne público. Decorre dessa cultura a ação só vir como punição à publicidade e não em razão do fato.
Não raro o punido é quem dá publicidade e não quem cometeu o erro.
Além dessas iniciativas, seria preciso tornar público todos os atos.
Hoje, ninguém consegue os dados estatísticos sobre as diversas atividades dos governos, nem saber como andam os procedimentos e processos relativos aos episódios citados.
A Rede Globo precisaria ter mais consciente de seu papel de órgão fiscalizador e aumentar a vigilância.
Resta apenas a todos os cidadãos esperarem a próxima denúncia no Fantástico e as explicações muito “convincentes” das nossas autoridades.
Pedro Cardoso da Costa é bacharel em Direito - Via avozdocidadão.
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