"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

outubro 20, 2010

POBRE SUPERÁVIT PRIMÁRIO

Depois de ter emitido dívida pública para conceder empréstimo ao BNDES e de ampliar o antigo Projeto Piloto de Investimentos (PPI), incorporando todo o orçamento do PAC às possibilidades de abatimento da meta fiscal, o governo agora acena com mais uma medida para aumentar artificialmente as receitas primárias.

Trata-se de nova emissão de dívida pública para ajudar no cumprimento das metas, conforme veremos.

Com esse jogo contábil o governo conseguirá prejudicar ainda mais a transparência e a previsibilidade no âmbito fiscal.

Hoje, o sistema de metas para o superávit primário já não traz informação relevante para a avaliação fiscal.

Isso porque permanece a evolução do gasto e o primário, mesmo assim, aumenta via maquiagem dos resultados a fim de apresentar uma pseudoausteridade.

No curto prazo funciona, mas em prazo maior a credibilidade conquistada nos últimos anos, com a ajuda deste mesmo governo, será convertida em riscos, aumento da taxa básica de juros e redução do potencial de crescimento.

A meta fiscal já não fornece mais informações relevantes.

O resultado primário do setor público consolidado precisará passar, a cada divulgação, por uma "limpeza" para poder ser analisado.

No último resultado primário do governo central, por exemplo, referente a agosto, seria conveniente descontarmos R$ 1,4 bilhão de receitas advindas da venda de dividendos futuros da União junto à Eletrobrás para o BNDES.

A justificativa é evidente, uma vez que se antecipou uma receita para elevar resultados. Contabilidade. E só isso.

Assim como este, vários outros artificialismos precisarão ser isolados para se chegar ao primário efetivo.

Conforme mencionado, o jogo contábil será, agora, "coroado" com a operação que envolve Petrobrás, BNDES e Tesouro, refletindo-se já no resultado de setembro, com cerca de 1% do PIB emitido em dívida transferido ao Tesouro e pago à Petrobrás (compra de ações), que, por sua vez, o repassará ao Tesouro como forma de parte do pagamento das reservas do pré-sal (rubrica concessões).

Essa contabilidade criativa é danosa às finanças públicas, principalmente pela perda de transparência, e é também prejudicial, no médio prazo, à credibilidade conquistada no campo fiscal, um dos sustentáculos da atratividade ao capital externo.

Se Fernando Henrique Cardoso foi o presidente da estabilidade, tendo liderado o Plano Real, ainda como ministro de Itamar Franco, e Lula foi o presidente da distribuição de renda, o que se espera do próximo presidente é a elaboração de uma estratégia que permita ao País ampliar, efetiva e solidamente, as taxas de crescimento.

Tal necessidade - único caminho para ampliar emprego e renda - passa pela adoção de uma nova política fiscal, mais austera, mais transparente e menos onerosa à sociedade.

O setor público ainda sustenta um déficit nominal de 3,4% do PIB, muito distante do necessário "zero".

É verdade que grande parte desse déficit nominal é explicada pelo pagamento de juros, da ordem de 5,4% do PIB, mas este, por sua vez, não é um problema em si.

Isto é, ele é fruto de uma taxa básica de juros elevada, sim, mas que se explica pela própria incapacidade do governo em reduzir o peso de seu consumo sobre a demanda agregada da economia.

Gastando em excesso, o governo acaba pressionando os juros, que precisam ser elevados para conter a inflação.

O problema fiscal, assim, é causador de um dos principais entraves ao crescimento e ao desenvolvimento, que é o baixo investimento no Brasil, resultante de juros ainda relativamente altos, que desestimulam o investimento produtivo.

O próximo presidente, assim, terá à frente a tarefa central de reorganizar as finanças públicas e adotar uma estratégia fiscal que auxilie o crescimento e divida com a política monetária o ônus do controle inflacionário.

Em outras palavras, a meta já não vale mais nada e as regras do jogo estão em aberto.

Restará ao próximo jogador redefini-las.

Felipe Salto O Estado de S. Paulo

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