"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

abril 06, 2010

A mão do gato nos royalties do pré-sal

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Em um Congresso como o nosso, com políticos comprometidos sabe-se lá com o quê ou quem, o risco dos interesses coorporativos sobrepujarem o coletivo é fato.

José Carlos de Assis, Jornal do Brasil

Platão achava que a sombra escondia a realidade.

No debate sobre os royalties do petróleo a realidade esconde a sombra. Enquanto meio mundo passou a discutir a emenda do deputado Ibsen Pinheiro e suas consequências sobre o equilíbrio futuro das contas públicas dos estados produtores de petróleo, na sombra da noite o deputado Henrique Alves, do Rio Grande do Norte, fez passar uma emenda que na prática eliminará a obrigação de pagamento de royalties pelas empresas produtoras.

A emenda diz que as produtoras privadas serão ressarcidas em óleo, retirado do respectivo campo, pelos royalties pagos “em dinheiro” na exploração.

Paga-se com a mão dinheiro e recebe-se (em óleo) com a esquerda. É simplesmente extraordinário.

Muitas gerações de congressistas vão se suceder antes que se extinga a vergonha por terem deixado passar tamanha aberração. Não acredito que seja uma questão de corrupção, embora haja bilhões de dólares em jogo. É distração.

Conheço razoavelmente bem o Congresso brasileiro. Conheço inclusive as condições de estresse em que trabalha a maioria dos parlamentares. Justamente por isso não é impossível que emendas espertas introduzidas em projetos complexos acabem passando em razão de simples distração do plenário. Nesse caso, porém, houve um excesso. O tema é altamente sensível.

O país inteiro acompanhava o debate no Parlamento. Como a emenda Henrique Alves pode ter passado?

Não duvido que a emenda Ibsen tenha servido de biombo para esse processo escabroso.

Obviamente que tirar dos estados produtores uma participação relevante nos royalties era uma forma de criar impacto e atrair atenção para um aspecto até certo ponto secundário da questão.

Afinal, distribuir royalties por uma lei ordinária é menos relevante que cobrar royalties a título de uma compensação prevista na Constituição federal. Só com muito engenho e arte seria possível eliminar a cobrança.

Com isso, não estou subestimando a importância dos royalties para o estado do Rio e outros estados produtores. Mesmo que eles sejam beneficiários da produção do petróleo, independentemente de royalties, é evidente que grandes investimentos de infraestrutura necessários como suporte à indústria petrolífera sobrecarregarão os orçamentos estaduais e, portanto, seus contribuintes. É nesse sentido que os royalties são definidos como compensação, e é justo que assim o seja.

Justamente por isso a aprovação na Câmara da emenda Ibsen é um atestado de incompetência das lideranças políticas fluminenses diante de seus pares no resto do país. Elas não souberam ou não tiveram credibilidade para convencer seus pares no Congresso de uma posição justa e legítima. Depois, convocaram o povo para a Avenida Rio Branco como se sua deficiência política no Planalto pudesse ser compensada na rua, com a força do povo, e não delas.

Se a emenda Henrique Alves passar no Senado, será um acinte ao povo brasileiro.

O senador Pedro Simon, creio que com assessoria da Aepet (Associação dos Engenheiros da Petrobras), preparou uma emenda que resolve inteligentemente o problema.Primeiro, aprova-se a emenda Ibsen. Depois, derruba-se a emenda Henrique Alves.

Pega-se o dinheiro que essa emenda pretende devolver às petroleiras destinando-o à União, que usará esses recursos para pagar os devidos royalties aos estados produtores de petróleo no pré-sal. Com isso, todos ficarão satisfeitos, e o Senado limpa a barra da Câmara perante a opinião pública.

J. Carlos de Assis é economista e professor, autor de "A Crise da globalização".

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