"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

abril 30, 2010

BELO MONTE E A POLÊMICA JURÍDICA.

JOÃO CARLOS MAGALHÃES
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BELÉM

Responsável pela polêmica jurídica em torno da hidrelétrica de Belo Monte (PA), ao suspender por três vezes o leilão da usina, o juiz federal Antonio Carlos de Almeida Campelo, 47, vê na reação do governo federal às suas decisões um "perigoso jogo contra a democracia do Brasil" e uma aproximação às práticas do presidente venezuelano, Hugo Chávez.

Campelo não descarta que o governo, ao realizar o pregão, tenha desobedecido à sua terceira liminar e vê ameaça na possibilidade aventada de a AGU (Advocacia-Geral da União) representar contra ele no CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

"O que está acontecendo, pelo encadeamento das coisas, é um perigoso jogo contra a democracia do Brasil."
"Uma coisa é discordar de decisão judicial e recorrer pelos meios adequados. Outra é você deixar de cumprir decisões judiciais e até ameaçar juízes."

"Daí vai se transformar numa Venezuela, onde tem uma juíza presa porque tem uma decisão contrária ao governo", disse em seu gabinete, em Belém, lembrando as recentes críticas de Lula às multas eleitorais que recebeu da Justiça.

"Nem na própria ditadura houve isso", afirmou o titular da subseção de Altamira (PA).
Campelo, que é paraense, estudou engenharia e matemática antes de cursar direito na UFPA (Universidade Federal do Pará). Por isso, disse, sentiu-se confortável analisando, por quatro dias, os relatórios técnicos em que baseou sua segunda decisão de suspender o leilão.

Ele ainda julgará ao menos seis ações que podem anular a licitação, que teve como vencedor o consórcio Norte Energia.
Inicialmente, disse que o governo "atropelou" a legislação "desde o início", tornando o leilão, do ponto de vista jurídico, "extremamente frágil".
Um dos pontos dessa fragilidade, disse, é a polêmica sobre se a União foi ou não notificada a tempo da terceira suspensão, uma hora antes do pregão.

Ele afirmou que os endereços eletrônicos usados para o aviso foram os mesmos das duas primeiras liminares e que havia "interesse" da União em não acusar o recebimento das mensagens, na última vez. Mas o juiz não arrisca opinião definitiva sobre se houve descumprimento da ordem judicial.

Apesar de ressaltar, nos autos, as falhas do projeto, ele não acha que uma usina no rio Xingu seja inviável, e sim que é preciso melhorar os estudos dos impactos socioambientais.

Barril de pólvora

Segundo Campelo, os estudos foram feitos sem ouvir todos os interessados, o que radicalizou posições e criou o risco de Altamira "se transformar num barril de pólvora".
Apesar das "pressões" de ambos os lados -até da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), como Campelo disse à Folha na semana passada-, ele voltou a defender sua isenção.

E, questionado se vê motivação eleitoral no que ele chamou de "pressa" do governo em leiloar Belo Monte, disse:
"Só senti o impacto quando as decisões foram reformadas pelo tribunal e [apareceu] a coisa de "temos que fazer o leilão a qualquer custo". Alguma coisa tem que estar por trás disso".

A AGU disse que não comentaria as declarações do magistrado, mas negou que tenha ameaçado representar contra ele no CNJ e que o governo tenha feito o leilão de maneira ilegal. A Abin já afirmou que o acompanhamento do trabalho do juiz foi regular.

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