"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

abril 23, 2013

O mensalão e a rede delituosa




Bastou o Supremo Tribunal Federal publicar o acórdão do julgamento do mensalão para os condenados pelo maior esquema de corrupção da história política do país se atiçarem. Eles querem melar o jogo e se livrar de pagar pelo que fizeram. 
Mas não há chicana jurídica que suplante a constatação de que, desde que as sentenças foram proferidas, as suspeitas e acusações contra petistas, mensaleiros e seus agregados só aumentaram.

O STF publicou ontem as 8.405 páginas da íntegra das discussões e debates travados ao longo de quatro meses de julgamento. Os advogados têm agora dez dias para analisar o texto e apontar eventuais incongruências que possam atenuar as penas impostas a seus clientes.

Sabe-se, porém, que o foco dos causídicos dos mensaleiros serão os chamados "embargos infringentes". Trata-se de recursos jurídicos permitidos quando há pelo menos quatro votos pela absolvição dos réus. Como, nestas circunstâncias, a margem de condenação é mínima (o STF tem 11 membros, mas nem sempre o presidente vota), há interpretações favoráveis à possibilidade de um novo julgamento.

Não é, porém, ponto pacífico. Alguns ministros, entre eles o presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, consideram que os embargos infringentes deixaram de existir desde que a lei n° 8.038, de 1990, regulamentou os processos nos tribunais superiores e não os previu para o STF. Infelizmente, a tese parece estar em desvantagem.

Segundo O Estado de S.Paulo, que consultou cinco ministros do Supremo, a possibilidade maior é de que, baseado nos tais embargos, gente como José Dirceu, João Paulo Cunha, Marcos Valério e outros nove dos 25 condenados obtenha novo julgamento por formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Se isso ocorrer, será lamentável e uma decepção para a sociedade brasileira.

A maior chance está no posicionamento dos novos ministros. Já no fim do julgamento, Teori Zavascki entrou no lugar de César Peluso, sem participar das sessões do mensalão, e agora o substituto de Ayres Britto está para ser escolhido pela presidente Dilma Rousseff. Os ministros que saíram votaram pela condenação dos réus e os substitutos poderão vir a adotar atitude diferente, beneficiando os mensaleiros condenados.

Nos últimos dias, pudemos ver como os procedimentos para nomeação para uma vaga no Supremo são, no mínimo, nebulosos. Numa entrevista, o ministro Luiz Fux revelou que fez peregrinações por gabinetes influentes de Brasília para obter apoio à sua indicação. Um dos procurados, José Dirceu disse, há duas semanas, que ouviu do então candidato a promessa de que o absolveria das acusações do mensalão - algo que não se concretizou.

Antes, já se soubera da constrangedora abordagem do ex-presidente Lula ao ministro Gilmar Mendes, tentando pressioná-lo a livrar os réus do mensalão. Numa corte que ainda tem entre seus integrantes um ex-assessor de José Dirceu e militante petista, é de se pensar o que cercou e o que cercará a indicação dos novos ministros, que podem simplesmente livrar os mensaleiros de cumprir pena em regime fechado, ou seja, no xadrez.

Em flagrante contraste com a espúria tentativa de amaciar para os corruptos e corruptores condenados durante o mais longo julgamento da história do Supremo, nos últimos meses vêm se acumulando episódios e falcatruas envolvendo ora os mesmos, ora personagens correlatos ao escândalo do mensalão.

Agora, até o então presidente da República é candidato a responder pelos crimes, uma vez que Lula tornou-se, no início deste mês, alvo de inquérito aberto pela Polícia Federal para investigar sua participação em tratativas que teriam resultado num repasse de R$ 7 milhões da Portugal Telecom para irrigar o mensalão.

As fornadas de escândalos incluem as estripulias de Rosemary Noronha - agora escarafunchadas, não se sabe se em parte ou no todo, pela Casa Civil - e as investigações do Ministério Público da Costa Rica sobre suspeitas de corrupção e irregularidades em contratos firmados naquele país por empresas brasileiras sob as bênçãos de Lula.

Ou seja, o mensalão é peça de uma engrenagem delituosa maior que o PT pôs em funcionamento desde que ascendeu ao governo. Não há chicana jurídica que supere o clamor da sociedade para que crimes que lesam o país e depredam o patrimônio público não continuem impunes. 
Dar nova chance aos mensaleiros é zombar dos brasileiros.

Fonte: Instituto Teotônio Vilela
O mensalão e a rede delituosa

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