"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

dezembro 27, 2012

UM ALERTA SOBRE O ENDIVIDAMENTO. DÍVIDA EXTERNA DE ESTADOS E MUNICÍPIOS PREOCUPA O TCU

 
Em 2011 e 2012, o Ministério da Fazenda autorizou garantias da União a empréstimos, no montante de R$ 14,4 bilhões, para Estados e municípios que não têm condições adequadas de pagamento, segundo conclusão do Tribunal de Contas da União (TCU) a partir de levantamento encaminhado pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Do total, R$ 9,6 bilhões se referem a crédito externo e R$ 4,8 bilhões a financiamentos obtidos junto ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal.

Em acórdão do dia 5 deste mês, os ministros do TCU decidiram determinar que o Ministério da Fazenda se manifeste, no prazo de 60 dias, "acerca dos riscos, tanto para as finanças estaduais quanto da União, em se aprovar operações de crédito externo de entes que não apresentam capacidade de pagamento adequada e suficiente para arcar com as obrigações assumidas". O TCU não solicitou manifestação sobre as operações de crédito interno.

Quando analisa os pedidos de garantia da União para operações de crédito a serem feitas por Estados e municípios, o Tesouro Nacional avalia a capacidade de pagamento do ente subnacional, que é classificado nas categorias A, B, C ou D, de acordo com o estabelecido na portaria 306/12 do Ministério da Fazenda, que substituiu a portaria 276/97. A rigor, a classificação é feita em 12 categorias, que vão de A+ a D-, mais ou menos como fazem as agências internacionais de rating. As categorias A e B habilitam a concessão de garantias, pois o ente assim classificado tem forte situação fiscal e o risco do crédito é nulo, baixo ou médio. O ente nas categorias C ou D tem situação fiscal fraca e o risco é alto ou muito alto. Assim, não pode receber garantia.

TCU pede explicação sobre dívidas de Estados e municípios

Mesmo que seja enquadrado na categoria C ou D, no entanto, o ente subnacional poderá obter garantia da União para o empréstimo desde que, a critério exclusivo do ministro da Fazenda e em caráter excepcional, os recursos correspondentes sejam destinados a projeto considerado relevante para o governo federal. Além disso, os créditos precisam ter contragarantias do tomador e o ente subnacional deve assegurar recursos suficientes para o atendimento das contrapartidas a seu cargo.

Em seu relatório, os técnicos do TCU dizem que "chama a atenção" o fato de ter a União concedido garantia a todas as operações de crédito externo que obtiveram classificação C ou D na avaliação da capacidade de pagamento. "O que era para ser uma excepcionalidade tornou-se regra, o que levou à autorização de operações externas com garantia da União da ordem de R$ 9 bilhões", diz o documento.

Ainda que a União conte com contragarantias do ente subnacional enquadrado nas categorias C ou D para evitar prejuízos, os técnicos advertem que o risco de o Tesouro Nacional vir a ter que honrar eventuais inadimplências é maior nesses casos, já que a avaliação da capacidade de pagamento indica alto risco de crédito dos entes subnacionais.

O eventual exercício da contragarantia, observam os técnicos do TCU, tornará ainda mais complicada a situação financeira do devedor. Isso porque a contragarantia a essas operações de crédito refere-se às parcelas dos fundos de participação dos municípios (FPM) ou dos Estados (FPE) ou de receitas próprias. "Parece atentatória aos princípios da responsabilidade na gestão fiscal permitir o endividamento de entes da Federação que não terão condições de arcar com todas as obrigações que irão assumir", diz o relatório do TCU.

A equipe de inspeção da Secretaria de Macroavaliação Governamental (Semag) do TCU enviou ofício à Secretaria do Tesouro Nacional (STN) solicitando a relação de pedidos de garantia da União para operações de crédito externo feitos por Estados e municípios classificados nas categorias C e D, no período de 2010 a 2012. A Semag pediu também que a STN informasse qual o instrumento formal que relaciona os projetos considerados relevantes para a União ou, na ausência desse instrumento, quais os critérios são usados para classificar um projeto como sendo relevante para fins de concessão de garantia.

A relação encaminhada pela STN mostra empréstimos no montante de R$ 14,4 bilhões que receberam garantia da União mesmo com os Estados e municípios tendo sido classificados como C ou D, na análise da capacidade de pagamento. Foram quatro operações de crédito em 2011 e 22 em 2012, no total de 26. A maior parte das operações, portanto, foi feita neste ano, quando o governo elevou os limites de endividamento dos Estados para que eles invistam.

Das 26 operações, 10 foram feitas com ente subnacional classificado como D e 16 operações com ente subnacional classificado como C. As operações feitas com a CEF e o BB somam R$ 4,8 bilhões. O restante se refere a operações de crédito externo, que foram o objeto de análise mais detida do TCU.

O Estado do Rio de Janeiro obteve, segundo a relação da STN encaminhada ao TCU, oito concessões de garantias em operações de crédito externo, totalizando R$ 4,2 bilhões. Este valor representa quase a metade das operações externas, mesmo com o Rio obtendo classificação C na avaliação da capacidade de pagamento o que, segundo os técnicos do TCU, "revela uma possível ausência de critério consistente para avaliar riscos acerca da concessão da garantia em tais casos".

A STN disse aos técnicos do TCU que não há um instrumento formal que liste os projetos considerados relevantes para o governo federal. Segundo a STN, a verificação de relevância do projeto para a concessão de garantia da União em situação de excepcionalidade é prerrogativa do ministro da Fazenda e comporta os elementos constantes de cada processo, dos quais, por exemplo, compatibilidade com ações de responsabilidade do governo federal, com políticas dos ministérios setoriais, dentre outros aspectos avaliados direta ou indiretamente pela Comissão de Financiamentos Externos (Cofiex).

No acórdão, os ministros do TCU pedem também uma manifestação do Ministério da Fazenda acerca de uma possível inclusão nos normativos, que regulamentam o endividamento, de mecanismos objetivos de limitação para concessão de garantias a entes subnacionais que não apresentem capacidade de pagamento adequada.


Ribamar Oliveira Valor Econômico
Ribamar Oliveira é repórter especial e escreve às quintas-feiras

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