"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

dezembro 27, 2012

brasil maravilha dos FARSANTES DA GERENTONA II : A esperteza da fazenda

Ainda há esperteza no Minis­tério da Fazenda, apesar do fiasco econômico dos últi­mos dois anos e da coloca­ção do Brasil na corrida global - o último dos Brics e um dos últimos entre os países latino-americanos. 

O ministro Guido Mantega e sua equi­pe abstiveram-se espertamente de novas estimativas de crescimento, na edição de dezembro de Economia Brasileira em Perspectiva. Esse bole­tim, uma das mais engraçadas publi­cações nacionais, é mais uma tentati­va de mostrar a economia no rumo certo, fortalecida por grandes inova­ções e impulsionada por medidas keynesianas. 

As reformas são uma piada e o keynesianismo é mais que discutível, porque a grande restrição está obviamente do lado da oferta in­dustrial. Keynes é inocente das tolices de seus "discípulos", assim como Marx, Freud, Adam Smith e Maquiavel.

Ao confrontar oferta e demanda, os autores do boletim concentram a aten­ção no terceiro trimestre de 2012, dan­do menos destaque, com muita esperte­za, aos dados mais amplos. 

De janeiro a outubro, o volume de vendas do varejo ampliado - com inclusão de veículos, partes e material de construção - foi 14,5% maior do que o de um ano antes. No mesmo período, a produção geral da indústria diminuiu, apesar do estí­mulo fiscal concedido a setores importantes, e o investimento encolheu.

A análise do cenário, no discurso ofi­cial, é proporcional ao desempenho da economia. Dos quatro grandes compo­nentes da demanda - consumo priva­do, gasto geral do governo, investimen­to privado e exportação -, os dois primeiros continuaram em crescimento. 

O ministro Guido Mantega chamou a atenção, numa entrevista, para a expan­são do consumo familiar e o comparou, em tom triunfal, com os números chineses.

Do lado do investimento privado há um evidente problema de insegurança, reconhecido no último Relatório de Inflação do Banco Central (BC). A linguagem segue o padrão da comunicação tortuosa dos BCs: "Por outro lado, a lenta recuperação da confiança contri­buiu para que os investimentos ainda não mostrassem reação aos estímulos introduzidos na economia". 

Outros fatores podem ter contribuído, mas a des­confiança foi certamente um dos mais importantes.

Um quadro incluído no boletim da Fazenda proporciona algumas indica­ções ignoradas pelo pessoal do gover­no. Entre 2002 e os 12 meses termina­dos em outubro de 2012, o valor impor­tado cresceu 375,6%. O exportado, 307,8%. Não houve maior abertura da economia. Logo, a explicação deve es­tar em outra variável. A expansão do mercado interno deve ser apenas parte da resposta. 

Nesse período, a participa­ção de bens importados no consumo interno dobrou e superou 20%.

Quando se comparam os últimos da­dos com os de 2007, o descompasso entre receita e despesa aumenta muito. Nesse intervalo, o valor das importações aumentou 86,1%, enquanto o das exportações cresceu 53,3%. Entre 2002 e os 12 meses até outubro deste ano, a importação subiu 22% mais que a expor­tação (diferença proporcional entre 375,6% e 307,8%). 

Entre 2007 e 2012 essa diferença foi de 61,5%.

Não se trata de efeito da crise. Orgu­lhosamente, o pessoal da Fazenda menciona um estudo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre o efeito da crise nas exportações de emergentes para a zona do euro. Entre o primeiro se­mestre de 2011 e o primeiro de 2012, o impacto foi de 0,2 ponto porcentual do Produto Interno Bruto (PIB) no Brasil, muito menor do que na China e na índia (0,5 ponto, nos dois países), na Rússia (0,7) e na África do Sul (0,8).

Os grandes entraves ao crescimen­to são internos e incluem sérios pro­blemas sistêmicos de competitivida­de. Menos festivo que a Fazenda quando trata da economia real, o BC projeta para qs quatro trimestres até o terceiro de 2013 um crescimento de 3,3% para o PIB e de apenas 1,9% para a indústria de transformação, insuficiente para compensar a con­tração deste ano (estimada em 2,3%). 

O investimento deve aumen­tar apenas 3,1%, depois de uma redução de 3,5% em 2012. Mas isso depen­derá, convém acrescentar, de uma gestão pública muito mais compe­tente. 

Chamar o juro mais baixo e o dólar mais alto de "nova matriz ma­croeconômica", com inflação distan­te da meta e contas públicas expansionistas, nem de longe atende a esse requisito.

Rolf Kuntz O Estado de S. Paulo

Nenhum comentário: