O Itaú Cultural, instituto privado ligado ao Itaú Unibanco, recebeu
permissão do Ministério da Cultura para captar R$ 29.898.227,71 por
meio da Lei Rouanet, que concede incentivos fiscais para empresas que
investem em cultura. O valor é um dos maiores da lista de 2012 e chama a
atenção pelo fato de envolver o banco mais lucrativo do Brasil.
Ou
seja:
uma entidade cultural ligada a um grupo privado com formidável
poder financeiro conseguiu generoso aval para obter o dinheiro
necessário para seus projetos em 2013, oferecendo a parceiros
igualmente poderosos - alguns deles integrantes do próprio Itaú - o
direito de abater do Imposto de Renda parte de seu investimento.
Não se
trata de condenar o Itaú Cultural nem seus eventuais sócios, porque
eles estão agindo estritamente dentro da lei. O problema é,
justamente, a lei, cujas óbvias distorções demandam urgente reforma.
Prometida reiteradas vezes pelo governo nos últimos anos, essa
reformulação ainda repousa nos escaninhos do Congresso.
Ainda que tenha falhas, a Lei Rouanet, de 1991, trouxe benefícios
evidentes e tornou-se o principal meio de incentivo cultural no Brasil,
graças à quase inexistência de mecenato e à esqualidez orçamentária do
Ministério da Cultura.
Para medir esse sucesso, basta observar os
números:
em 2003, foram movimentados R$ 430 milhões; no ano passado, os
recursos atingiram R$ 1,3 bilhão.
Mas voltando às falhas, para
começar, mais de 70% dos produtores culturais que se candidatam ao
benefício são deixados de fora do bolo - muitos por evidente limitação
artística, mas outros porque são incapazes de competir, em condição de
igualdade, com organizações culturais fortes e conhecidas do mercado.
Assim, o sistema criado pela Lei Rouanet favorece quem teria
condições de obter recursos de outra maneira. Um caso notável ocorreu
em 2006, quando a trupe canadense Cirque du Soleil fez uma temporada
no Brasil parcialmente financiada com recursos públicos oriundos de
renúncia fiscal - a promotora do espetáculo, a mexicana Companhia
Interámericana de Entretenimento, foi autorizada pelo Ministério da
Cultura a captar R$ 9,4 milhões.
É difícil aceitar como razoável que
um grupo artístico mundialmente famoso, que cobra até R$ 370 por
ingresso, tenha necessidade de se financiar com o dinheiro do
contribuinte brasileiro. Exemplos como esse se multiplicam.
Outra distorção importante da Lei Rouanet é que as empresas que
aceitam investir nesses projetos culturais, muitas vezes financiando
fundações privadas, não só abatem integralmente o valor do Imposto de
Renda, como também podem associar sua marca ao evento, sem que o uso
de recursos públicos fique suficientemente claro para a platéia.
Trata-se de marketing gratuito, geralmente com grande visibilidade,
uma vez que boa parte dos projetos aprovados é protagonizada por
artistas renomados e por grandes produções.
Uma proposta de reforma da lei, que tramita na Câmara, prevê
justamente que projetos considerados ""viáveis" do ponto de vista
comercial, isto é, que possam obter recursos e atrair público sem a
necessidade de incentivos fiscais, sejam excluídos do mecanismo de
fomento cultural.
A decisão sobre essa viabilidade seria tomada pela
Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, entidade do Ministério da
Cultura responsável atualmente por aprovar os projetos encaminhados.
É um começo, pois o cerne do problema é a dependência que a Lei
Rouanet parece ter criado no universo cultural brasileiro, isto é, só
existe investimento em arte se as empresas tiverem abatimento fiscal de
100% e, de preferência, se houver garantia de sucesso de bilheteria.
Especialistas preveem que, caso o benefício seja reduzido para 30% ou
50%, como prevê o texto da reforma, haverá queda drástica dos recursos
investidos, demonstrando que o interesse cultural é, em muitos
casos, limitado à perspectiva do ganho financeiro.
Logo, os
mecanismos de incentivo à cultura, embora vigentes há duas décadas,
ainda não construíram laços efetivos e duradouros entre a produção
artística e os "mecenas".
O Estado de S. Paulo
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