"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

outubro 15, 2012

Decisões do STF mudam a percepção externa sobre país

 
Poucos fatos, nos últimos anos, fizeram tão bem à imagem internacional do Brasil quanto a condenação dos acusados de integrar o esquema do mensalão. Decisão tomada com transparência e por uma corte suprema cuja maioria foi indicada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, governo em que foi arquitetado e executado o esquema de compra de apoio de deputados.

A corrupção e a impunidade são marca registrada do país, sempre objeto de crítica em instituições internacionais. Em 2011, o Brasil ficou num vergonhoso 73º lugar no ranking da corrupção entre 183 nações avaliadas pela conceituada organização não governamental Transparência Internacional.

Registros positivos foram feitos por influentes veículos da mídia internacional, do diário espanhol "El País" ao "The New York Times". São sinais bem-vindos não por terem sido percebidos por estrangeiros, mas por razões bem objetivas: dentre os muitos aspectos positivos da decisão, como a higienização dos costumes políticos, as condenações contribuem para a melhoria do ambiente de negócios no país. 

A impunidade sempre foi um fato incorporado ao risco Brasil.

Estudo da Escola de Economia de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), revela que as perdas provocadas por fraudes públicas no Brasil atinge a casa de US$ 3,5 bilhões (cerca de R$ 7 bilhões) por ano. O prejuízo foi calculado com base em dados do Banco Mundial (Bird) e nos índices de percepção de corrupção da organização não governamental Transparência Internacional.

As decisões recentes do Supremo Tribunal Federal mudam a percepção externa e interna sobre o combate à impunidade, porque pegaram em sua malha fina o ex-ministro José Dirceu de Oliveira, braço direito e homem forte do ex-presidente Lula.

Junto com Dirceu caíram praticamente todos os poderosos, do governo e da iniciativa privada, banqueiros inclusive, envolvidos no esquema instituído no primeiro mandato do governo do PT.

A sentença não significa o fim da corrupção política ou da impunidade no Brasil, isso é certo. Mas o importante é que o STF, ao condenar os acusados de montar e operar o mensalão, resgatou na legislação já existente instrumentos que devem, a partir de agora, inibir a ação dos predadores do patrimônio público.

Dentre esses instrumentos, o mais importante é aquele segundo o qual a teoria do domínio dos fatos permite punir quem pertence a um grupo criminoso, mas não pratica diretamente o ato delituoso, já que ocupa uma função hierárquica superior. Ou seja, possibilita punir o mandante - assim caiu Dirceu.

Como roteiro de um bom filme de ação política, essa teia está sendo mostrada diariamente ao país, nos últimos dois meses.

Um partido de esquerda, o PT, chega ao poder nas eleições de 2002. Assume no ano seguinte com 93 deputados e chega a uma base parlamentar aliada, com integrantes de outros partidos, estimada em cerca de 140 deputados.

Logo após a posse o governo lança uma ofensiva para a constituição de uma grande base parlamentar. Extensa o bastante para manter não um projeto quadrienal de governo, mas um projeto de poder, como bem salientou, em seu voto, o ministro Ayres Brito, o presidente da Corte Suprema.

Para cimentar um leque tão amplo de alianças, a única argamassa possível era o dinheiro. É quando se juntam o público e o privado para financiar o esquema. Soberbo, Dirceu, quando depôs no STF, nem hesitou em afirmar que todas as negociações para a montagem da base de apoio de Lula passavam necessariamente por seu gabinete. Exibiu a costumeira veleidade de ostentação do poder.

Contava, é claro, com o silêncio cúmplice dos que foram cooptados, com a tradição brasileira da impunidade e a ausência de provas materiais de sua participação - afinal, chefes de organizações criminosas dão as ordens, não assinam cheques nem entregam malas de dinheiro em quartos de luz mortiça de hotel.

O julgamento dá uma nova dimensão a esse tipo de prova, abrindo caminho para aproximar mais a Justiça da realidade. Há o receio de que venha a ser mal utilizado na primeira instância. Caberá às outras instâncias corrigir excessos. 

Valor Econômico

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