"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

setembro 26, 2012

A crise embutida num indulto a mensaleiros

Vencida parte do julgamento do mensalão, não é mesmo exagero afirmar que o Supremo Tribunal Federal tem feito História. Poucas vezes, em mais de 120 anos de República, houve um caso judicial com tantos e tão poderosos interesses políticos em jogo.

Há a referência recente do ex-presidente da República Fernando Collor, julgado por corrupção pelo STF e inocentado. Mas ele já havia sido destituído do cargo, num - também memorável - processo de impeachment aprovado no Congresso.

No mensalão, sentam-se no banco dos réus políticos de partidos no poder, alguns com mandatos no Congresso: 
João Paulo Cunha (PT-SP), 
Valdemar Costa Neto (PR-SP) 
e Pedro Henry (PP-MT), já com algumas condenações no julgamento. 

Há, ainda, no "núcleo político" da "organização criminosa", duas estrelas graduadas do PT - José Dirceu e José Genoíno - e o tesoureiro do partido durante a operação de desvio de dinheiro público para o valerioduto, já comprovado pelo STF, Delúbio Soares.

O julgamento, portanto, envolve a espinha dorsal do poder político, a ponto de estimular o ex-presidente Lula a cometer a temeridade de, numa conversa indevida com o ministro do STF Gilmar Mendes, tentar convencê-lo a propor a postergação do julgamento para depois das eleições. 

Mendes se sentiu pressionado e até chantageado, denunciou a operação e o início do julgamento se tornou irreversível. Não fazia mesmo sentido adiá-lo.

Mas não parecem cessar articulações para ajudar réus mensaleiros. A mais recente, detectada pelo Ministério Público, envolveria um indulto, prerrogativa do presidente da República, a mensaleiros que sejam obrigados a cumprir pena em reclusão.

Este perdão é concedido na época de Natal e segue requisitos estabelecidos em decreto pelo presidente da República - pena mínima, tempo de prisão, bom comportamento, por exemplo. Nada impediria o Planalto de calibrar o decreto deste ano para libertar mensaleiros condenados.

Agem como aprendizes de feiticeiros aqueles que porventura engendram a manobra, pois colocarão o Executivo em rota de colisão com o Judiciário. Será uma ingerência indevida do Executivo na Justiça. 

Na prática, num golpe de esperteza, o Planalto terá revisto veredictos de juízes da mais alta Corte do país. Há cheiro de crise institucional no ardil.

Promotores e procuradores já alertaram o Ministério da Justiça. 

Como cabe a ele enviar os decretos anuais de indulto à Casa Civil, deve o ministério, como pedido pelo MP, excluir do perdão os condenados por corrupção,
lavagem de dinheiro 
e delitos contra o sistema financeiro, 
os crimes enquadrados no processo do mensalão. 

A reivindicação é sensata e precisa ser aceita pelo Executivo.

O Globo

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