"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

abril 25, 2012

MANIFESTO DA BAIXARIA : " Acabemos com a frescura dos lenços de seda - sejamos igualitários. Olhemos os fatos que estão nas manchetes e enxerguemos o que dizem. "

Um fantasma ronda o Brasil:
o fantasma da falta de educação e da baixaria.
Juízes do Supremo,
parlamentares,
ministros,
altos empresários
e governadores - perderam o senso luso-brasileiro e ameaçam um bate-boca generalizado.

Alguns tentam conjurar essas brigas anti-aristocráticas que pegam mal porque revelam muito do que não pode ser mostrado.


- I -

Aqui se faz um apelo aos leitores.
Sejam sinceros e tirem a honestidade da zona cinzenta dos pecados e dos malfeitos. Façam o contrário dos diplomatas e dos populistas:
proclamem o que pensam e sentem.

Seremos todos acusados de intrigantes e boquirrotos pela direita
(a dona da bola e, por isso mesmo, corrompida),
pela esquerda (revolucionária, é claro, mas no poder e com vastos limites)
e pelo centro que sempre foi o berço do nosso moralismo que diz que vai mas não vai antes de saber pra onde a coisa está indo e, por isso mesmo emudece porque a sinceridade que iguala é o maior pecado de um sistema desigual.


Critique abertamente e não se esconda no anonimato.
Seja grosso com os pulhas que roubam o nosso dinheiro e discorde.
Não escolha a pusilanimidade dominante.


- II -

Contrariando frontalmente a visão geral do escândalo que cobre o nosso país de egrégios gregos gregários - de Deltas aDemóstenes - envolvendo governantes e governados, eu afirmo que quando o bate-boca ocorre nas altas esferas temos um sinal delucidez, de democracia e de progresso.

No contexto da hipocrisia nacional uma discussão entre ministros do Supremo, é algorevolucionário.


Todo tribunal é feito de conflitos, denuncias e busca da verdade. Exceto no Brasil onde ainda se tem o direito de mentir e se é obrigado a engolir choro. São os conflitos verbais que deixam surgir a Verdade com sua nudez transparente e escandalosa.

Chega de botar a poeira debaixo do tapete em nome de uma ética aristocrática. Vivemos um momento no qual o igualitarismorompe nossas portas e, como um hóspede imprevisto e não convidado, demanda - acima de tudo - um mínimo de sinceridade.

E a sinceridade só surge quando nos entregamos a forças maiores do que nós.
Como foi o caso do ministro do Supremo que, criticado pelo colega, reagiu numa veemente e histórica entrevista.


Esse manifesto discorda da opinião segundo qual o Supremo fica menor quando seus membros discordam. Pois o seu autor estáabsolutamente seguro ao dizer que quanto mais os agentes públicos ficarem putos uns com os outros, mais democracia igualitária cairá, como chuva de verão, sobre todos nós.

O imprevisto é o centro da vida democrática.
E o imprevisto maior do Brasil no qual vivemos é a descoberta do papel do estadonão como fulcro de igualdade de oportunidades, mas como uma fonte de aristocracia e de enriquecimento ilícito.

Só a baixaria pode liquidar a perversão de combinar até mesmo as discórdias.

Temos que reformar a nossa boa educação de senhores de engenho que leva à mentira e ao agrado do governante para pegar o contrato sem discutir mérito ou eficiência. Mesmo - pasmem - quando isso pode existir.

O bate-boca no Supremo, não diminui a Corte magistral. Muito pelo contrário, ele torna essa corte mais honrada e democrática.
O Brasil precisa ser desmascarado e posto a nu para si mesmo.
É hora de ver o fantasma.


- III -

Democracia é partejada por igualdade (todos podem falar, mesmo errado) e individualismo (todos tem o direito de querer) - esses valores que produzem conflito.

O conflito revela o lado vivo do Supremo Tribunal Federal. Ele mostra que os nossos super-magistrados são humanos e suscetíveis de raiva, ressentimento e vingança. Por isso a discussão não é só mais do que bem-vinda:
ela é fundamental.


- IV -

Sem opinião não há sinceridade. A medida da honestidade jaz no que realmente pensamos de algum assunto ou pessoa.
É, pois, imperioso acabar com as luvas de pelica.
Discutir não é ser mal-educado, é afirmar que - finalmente! - podemos concordar em discordar.
O Brasil precisa ver as suas meias furadas.


- V -

Acabemos com a frescura dos lenços de seda - sejamos igualitários. Olhemos os fatos que estão nas manchetes e enxerguemos o que dizem.

O bom-mocismo nacional é uma simpatia e uma gracinha como dizem os grã-finos, mas é também o modo de obter altos faturamentos não só em obras, mas em projetos do governo.

Essa coisa personalizada e com dono mas sempre isenta, sempre ausente, sempre vendo o debate como uma baixaria e, por isso, sempre inocente porque não se mete ou é responsável por coisa alguma!


Irrompamos respeitosamente com dona mamãe. Ela diz:
seja paciente com o tio Fulano ou com o Dr. Sicrano.
Eu vos digo: seja mmal-educados e profiram o que pensam.

O Brasil precisa de bate-boca - esse cerne da oposição! Mande o professor às favas, denuncie o prefeito, o senador, o empresário, o chefe e o presidente - caso eles sejam mentirosos, incompetentes e desonestos.


- VI -

Desvende o Brasil. Seja um mal-educado dizendo o que pensa. Só assim realizaremos a nossa tão atrasada revolução igualitária obrigando que esta CPI promova um desmascaramento geral.
Rezemos para que todos botem a boca no mundo e sejam sinceros.

Se isso ocorrer, faremos o inusitado:
não vamos certamente acabar com a corrupção mas iremos ferir de morte esta republica que aristocratiza seus altos funcionários e torna milionários os seus sócios.
 

Mal-educados do mundo, uni-vos!

Roberto DaMatta O Globo

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