"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

março 01, 2012

SAGRADA SAÚDE E "SANTA" POLÍTICA MIÚDA.

Dilma Rousseff protagonizou ontem mais um lance da política miúda do Planalto. Para agradar evangélicos, deu-lhes um ministério de presente.

Seria mais produtivo se a presidente voltasse sua atenção para o que reclamam os católicos, preocupados com a péssima situação da saúde pública no país.

Toda quaresma, a Igreja Católica desenvolve sua Campanha da Fraternidade.

Tem sido assim desde 1963, com
objetivo de "despertar a solidariedade dos fiéis e da sociedade em relação a um problema concreto que envolve a sociedade brasileira, buscando caminhos de solução".

Neste ano, o tema é
"A fraternidade e a saúde pública".(pdf)

O objetivo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) é "sensibilizar a todos sobre a dura realidade de irmãos e irmãs que não têm acesso à assistência de Saúde Pública condizente com suas necessidades e dignidade.

É uma realidade que clama por ações transformadoras. A conversão pede que as estruturas de morte sejam transformadas".


O que a CNBB constata é que o governo federal não tem cumprido o que estabelece a Constituição:
os tributos pagos pelos contribuintes não são revertidos em melhor atendimento e tratamento aos doentes.

O logro é recorrente e vem de longa data:
falta dinheiro e o pouco que há costuma ser garroteado.

Acontecerá novamente neste ano com o corte dos recursos previstos no Orçamento da União para a área.

Saúde foi o setor mais afetado pela tesoura da presidente da República no ajuste fiscal:
perderá R$ 5,47 bilhões da verba reservada para o exercício, o equivalente a 6% do total aprovado pelo Congresso.
Foi apenas mais um dos golpes desferidos pelo PT contra o sistema público de saúde brasileiro.

Em fins de 2011, a bancada do partido no Parlamento lutou ferozmente para derrubar proposta de regulamentação que destinava mais dinheiro do governo federal para hospitais, postos e serviços de saúde.


A intenção da proposta era garantir que a União reservasse um percentual mínimo (10%) de suas receitas para o setor, a exemplo do que estados e municípios já são obrigados a fazer, cumprindo o que estabelece a emenda constitucional n° 29.

O PT, porém, não só se recusou a apoiar a causa, como a trucidou.

O desrespeito ao espírito da EC 29 vem de longe, permeou todo o governo de Luiz Inácio Lula da Silva e mantém-se na gestão atual.

É o que mostra
texto preparado pelo ex-ministro da Saúde Barjas Negri em parceria com Gabriel Ferrato:
"Foram oito anos perdidos, sem que se equacionasse o financiamento da saúde pública nacional".


Os autores demonstram como o governo petista vem dilapidando seus sucessivos recordes de arrecadação em desfavor da saúde.

Enquanto a carga tributária federal líquida - ou seja, o que efetivamente fica nas mãos da União após todos os repasses obrigatórios - cresceu 3,34 pontos percentuais do PIB desde 2002, para 12,72% do PIB, os gastos em saúde mantiveram-se estagnados em 1,66% do PIB ao longo do período.


Os cálculos vão até 2009 e não consideraram o aumento de carga observado nos dois últimos anos, o que significa que o bolo de dinheiro na mão do governo federal ficou ainda maior, mas a saúde pública continuou na UTI.

Com autoridade de quem participou da exitosa gestão José Serra no Ministério da Saúde, os dois autores sugerem que bastaria ter destinado um pequeno naco do aumento de arrecadação tributária para a saúde para que se promovesse uma revolução no setor.

"Se ao longo de seu governo [Lula] tivesse destinado à saúde apenas 0,1% do PIB adicionais a cada ano, hoje o SUS teria cerca de R$ 30 bilhões a mais no orçamento do Ministério da Saúde", escrevem Negri e Ferrato.

Ainda sobrariam R$ 100 bilhões decorrentes do aumento da carga para serem fartamente torrados em outros gastos.

A realidade, porém, é bem diferente.

No Brasil, ao contrário do que acontece nos países mais ricos, cada vez mais tem sido a população quem arca com a maior parte dos gastos com saúde:
58% vêm das famílias e 42% do setor público.

Na média mundial, a relação é de 30% e 70%, respectivamente, conforme aponta a CNBB.


Outros indicadores oficiais comprovam que o governo do PT vem dando pouca atenção à saúde pública. Na era Lula, caíram:
a participação dos gastos no setor frente ao total de receitas correntes do governo federal (de 7,2% para 6,9%);
a participação do Ministério da Saúde na soma dos gastos públicos do SUS (de 53% para 44%);
e a participação das despesas correntes do ministério no total de gastos correntes da União (de 17,1% para 13,9%).


Com a omissão federal, resta a estados e municípios se desdobrar para evitar que o atendimento aos cidadãos não adoeça de vez.

Como eles terão que obedecer ao que estabelece a EC 29, estima-se que algo em torno de R$ 2 bilhões seja injetado a mais no setor a partir de agora. Ou seja, quase nada, diante do que a União poderia fazer.


Os 40 dias da quaresma serão oportunidades cotidianas para cobrar da gestão Dilma a atenção devida à saúde pública. Infelizmente, a presidente parece mais preocupada com o jogo baixo da política, que se concentra na troca de cargos por conivências.

Enquanto isso, continua valendo o que diz o hino que a CNBB compôs para a Campanha da Fraternidade deste ano:
"Este é teu povo, em longas filas nas calçadas/A mendigar pela saúde, meu Senhor!"


Fonte: Instituto Teotônio Vilela
Sagrada saúde

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