Exportadores, receberam a notícia, na semana passada, de que a Receita Federal não pensa em começar tão cedo a aplicação do Reintegra, o sistema criado com o plano Brasil Maior, em agosto do ano passado, que previa o desconto nos impostos ou a devolução, em dinheiro, de 3% do faturamento das empresas exportadoras, para cobrir tributos cobrados indevidamente na produção.
O Ministério da Fazenda reconhece o atraso na operação do sistema, regulamentado só em dezembro, mas, até agora, a Receita não se mostrou pronta a agir. Pedido de informação sobre o prazo de entrada do Reintegra, feito ao ministério na semana passada, pelo Valor, ficou sem resposta.
No setor privado, circula a informação de que a Receita não pensa em pagar o Reintegra antes de agosto, um ano após sua criação, e tarde demais para ter efeito significativo nas contas comerciais deste ano.
Há esperança de que seja só pessimismo.
Mas seria coerente com o espantoso grau de improvisação que marca as decisões do governo em relação a um dos principais dilemas e prioridade da gestão econômica - a visível perda de competitividade de boa parte do parque industrial brasileiro.
Não pode ser chamado de outra coisa que não improviso a declaração feita em dezembro pelo ministro Guido Mantega, de que mudaria o sistema de tributação de têxteis e confecções importados, de ad valorem (um percentual sobre o preço) para ad rem - um valor fixo, que se torna um percentual maior quanto menor é o preço.
O ministro gastou seu latim, passaram-se mais de dois meses e não se fala mais disso no governo.
Alguém deve ter mostrado à presidente Dilma Rousseff que esse tipo de medida (usada, reconheça-se, por países desenvolvidos), além de um retrocesso, por reduzir a transparência das barreiras comerciais, é essencialmente regressivo:
ao punir produtos mais baratos, tributa menos um terno Armani que outro, popular, por exemplo.
O recente acordo com o México em torno do regime automotivo entre os dois países foi outro exemplo de improviso:
depois de aumentar (violando regras da Organização Mundial do Comércio) o IPI de automóveis, exceto os do Mercosul e do México, o governo descobriu que, como seria óbvio, a medida havia dado impulso às já vistosas importações de carros mexicanos.
E, de Brasília, avisaram ao México que romperiam o acordo.
Apelos mexicanos converteram o rompimento em um regime de cotas de importação. De quebra, enterraram-se as perspectivas de um amplo acordo comercial com o México, sonhado pela indústria brasileira.
Nesse jogo de medidas reativas e pontuais, anunciadas às vezes sem estudos técnicos sobre como viabilizá-las, o empresariado se sente obrigado a pegar o que lhe oferecem para sobreviver, enquanto não se vê no horizonte uma política articulada, consensual entre os ministérios, de longo prazo e indutora de investimentos em produtividade e aumento de capacidade.
"Não há bala de prata, toda medida é importante", argumentava, na semana passada, o ativo diretor-superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil, Fernando Pimentel, ao explicar a pressão do setor por uma alíquota menor que 1,5% para o imposto sobre faturamento oferecido pelo governo em troca da extinção dos 20% sobre a folha, pagos à Previdência.
A anunciada desoneração da folha de pagamentos, limitada a uma troca de imposto sobre folha por um sobre faturamento, decidida aos trancos e embates surdos na burocracia, é a esmola com que o governo anuncia enfrentar um dos vários custos que amarram a indústria nacional, o do trabalho.
É um problema sério, de fato.
Movido por fatores demográficos, econômicos, sociais e pela desvalorização do dólar, o custo do trabalho no Brasil aumentou em níveis preocupantes no últimos anos.
Com base nas estatísticas do Departamento de Trabalho dos EUA, o economista Jorge Arbache constatou que, entre 2002 e 2010, o custo do trabalho no Brasil, em dólares, cresceu 226%, muito mais que na China (139%),
Cingapura (19%),
Coreia (16,6%)
e México (1,1%), entre outros.
Mas, curiosamente, o custo da hora trabalhada no Brasil, em 2010, era quase metade do registrado em Cingapura, e 60% do da Coreia. Na China, a hora trabalhada custa cerca de um décimo do que no Brasil, enquanto no México tem variado pouco, equivalendo, em 2010, a pouco mais de 60% do brasileiro.
Isso faz suspeitar da influência, nesses custos, da desvalorização do dólar em relação ao real forte.
Os dados da Coreia e de Cingapura enfatizam um ponto ressaltado por Arbache:
"o salário, isoladamente, não é problema, como se vê com o operário da Mercedes em Stuttgart, que ganha US$ 95 mil ao ano".
O maior problema, no Brasil, chama-se produtividade, e ele se agrava com o fim do bônus demográfico, o crescimento da população em idade ativa, que cresceu fortemente nos últimos anos e chegou próximo do limite a partir do qual começará a cair.
O Brasil, tem trabalhador pouco produtivo, e, ao contrário de outros países, não tirou proveito do bônus demográfico, sob a forma de mão de obra barata ou acúmulo de poupança, lembra Arbache.
É Arbache que menciona a política do "puxadinho", com criação de medidas como quem acrescenta anexos à casa, sem ligação consistente com o plano arquitetônico inicial. Dilma sabe da necessidade de ter um plano de longo prazo, diz o economista.
Mas os temas da inovação e do aumento de produtividade, por exemplo, mencionados como essenciais - como são - nos documentos do Brasil Maior, não parecem ocupar as cabeças pensantes do Ministério da Fazenda, instância última das decisões de política industrial tomadas nos últimos meses.
Não estão nas últimas medidas anunciadas pelo governo.
Pode-se morar em uma casa feita à base de puxadinhos. Mas à custa de sérias ineficiências, e o risco de dar com a cara em paredes, no lugar onde deveriam existir portas e janelas.
Sergio Leo Valor Econômico
Sérgio Leo é repórter especial em Brasília e escreve às segundas-feiras
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