"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

março 27, 2012

CHORADEIRA NO " SUJO E MISERÁVEL" : Comissão aprova fim de 14º e 15º salários para parlamentares. Sem senador que reclamou ganhar pouco, outros senadores reclamam de baixos salários

A Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE) aprovou nesta terça-feira, por unanimidade, relatório de projeto de decreto legislativo do senador Lindbergh Farias (PT-RJ) que acaba com a farra dos salários extras, os 14º e 15º salários para parlamentares.

Mas a aprovação ocorreu com alguns senadores tecendo ironias e reclamando que senador ganha muito pouco. O projeto agora segue para a Mesa Diretora do Senado e, em seguida, para o plenário da Casa. Depois ainda precisa tramitar na Câmara.

Para não pagar o preço da execração pública, alguns votaram à força e não esconderam a revolta com o fim do privilégio de R$ 26,7 mil no inicio e fim de cada ano, além do 13º salário.

Agora, com o fim da "ajuda de custo", os parlamentares voltam a ter apenas um salário extra no inicio e no fim dos mandatos, para fazer sua mudança para Brasília e de volta para o estado de origem.

A revolta maior manifestada pelo senador Ciro Miranda (PMDB-GO). Em sua justificativa, disse que um senador ganhar líquido R$ 19 mil não é condizente com suas atividades.

Mas ele esqueceu de dizer que somando tudo, salário, verba indenizatória e todos os recursos de suporte a um senador, esse valor chega a R$ 170 mil por mês.

- Esse valor está há oito anos sem correção! E quando tem correção, a sociedade grita! Eu não vivo de salário de senador, tenho outras atividades, mas tenho pena daqueles que são obrigados a viver com R$ 19 mil líquidos com a estrutura que temos aqui - reclamou Ciro Miranda, rendendo-se, entretanto, ao voto sim. O patrimônio declarado em 2006 do senador é de R$ 3 milhões.

O senador Benedito de Lira (PP-AL) recorreu a ironia para demonstrar seu incômodo em votar sim. Pediu a Lindbergh que incluísse em seu relatório também o fim do 13º salário de parlamentar. Ao dizer que o senador deveria também abdicar do 13º salário, ele ironizou:
- O senador Lindbergh poderia até talvez instituir a honorabilidade para o cargo de senador, já que já seria um grande honra ser senador e servir ao seu país.

A senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS) sugeriu ao relator Lindbergh Farias que incluísse uma emenda para estender que ministros e servidores do segundo escalão engordassem seus salários com jetons de conselhos de estatais.

Mas como é um projeto de decreto legislativo, com efeito apenas interno das duas Casas, ela foi orientada a apresentar um projeto específico sobre o assunto.

- Seria uma forma de levar disciplina aos gastos públicos. Vou apresentar projeto próprio para que ministros e assessores não usem os jetons das estatais para engordar seus vencimentos. Isso desvirtua o processo de formação dos salários - disse Ana Amélia Lemos.

O beneficio do salário extra foi introduzido no parlamento pela primeira vez em 1948 e vem sendo mudado desde então, com a inclusão de novos privilégios.
- Fui atrás da história.

O procedimento naquela época se justificava porque os parlamentares se mudavam para o Rio com suas f

amílias e passavam todo o ano no Rio. Hoje, sabemos que a coisa não acontece dessa forma, voltamos todas as semanas para os estados - disse Lindbergh, para justificar o fim dos salários extras a cada inicio e fim de ano.


O Globo

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Saudáveis senadores


Como deve ser remunerado o exercício de um mandato legislativo? A resposta óbvia deveria caber num único advérbio: adequadamente. Ou seja, o suficiente para garantir um razoável padrão de vida e — o que é indispensável — manter à distância feias tentações.

Mandato — é quase absurdo ter de lembrá-lo — não é emprego. Senadores, deputados e vereadores não são convocados para a vida pública. Dela participam por iniciativa própria. Pelo menos em tese, porque têm a vocação de servir ao país e à sociedade.

É natural e óbvio que devem ser pagos pelo seu trabalho. Na verdade, pode-se dizer que é indispensável que isso aconteça. Representantes do povo sem remuneração adequada correm o risco de ceder à tentação de buscarem fontes ilícitas de renda. Na verdade, esse risco existe de qualquer maneira — pelo menos em países onde o regime democrático não tem a sofisticação e a solidez que, graças a Deus, existe por aqui. Ninguém ria, por favor. Inclusive porque temos mesmo uma democraciazinha bem razoável.

Mas, por isso mesmo, é motivo de decepção e tristeza a gente ver no jornal a revelação de que o Senado trata seus membros com uma generosidade de pai rico. Cada senador — isso já se sabia — recebe uma verba indenizatória (sem explicação da necessidade de indenização) de R$ 15 mil.

Tem mais:
os senadores podem contratar até 72 funcionários para seus gabinetes — e ninguém imagina que esse batalhão seja usado exclusivamente para permitir o exercício adequado do mandato legislativo. E mais ainda: eles têm direito à assistência médica pelo resto da vida. Como se fossem senadores perpétuos. Em alguns casos, como ficou apurado, isso chega a mais de R$ 100 mil por ano. Trata-se de uma mordomia exclusiva do Senado. Nem ex-presidentes da República têm essa vida boa.

Há poucos dias, o presidente do Senado, José Sarney, disse num discurso que a universalização da saúde pública ainda é um desafio para o Brasil. Esqueceu-se de acrescentar que os senadores da República já venceram esse desafio. Com o nosso dinheiro.


Publicado no Globo de hoje.
Radio do Moreno

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