"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

julho 01, 2011

Tsunami no meu, no seu, no nosso dinheiro


O governo começa a notar que entrou numa enrascada ao tornar-se fiador de um negócio bilionário cujos benefícios são eminentemente privados e os custos exclusivamente públicos. Percebe, tardiamente, que pôs o BNDES no meio de uma briga entre interesses empresariais e de consequências jurídicas imprevisíveis.
Agora não há com justificar o injustificável.


A operação envolvendo a fusão entre Pão de Açúcar e Carrefour, bancada por recursos do BNDES, vai se tornando, a cada dia, mais envolta em polêmicas. Avizinha-se uma batalha de tribunais sem precedentes, uma vez que um lado acusa o outro de agir de má-fé. Tudo regado com o dinheiro do contribuinte brasileiro.

O próprio BNDES parece ter acusado o tropeço e ontem, depois de resguardar-se em silêncio por dois dias, divulgou nota em que sujeita sua participação no negócio ao "entendimento entre as partes envolvidas".

Como esta possibilidade, a esta altura, é nula, abre-se a chance de o banco não injetar dinheiro público na ruidosa operação.

O governo também sentiu o golpe. Segundo o Valor Econômico, o Palácio do Planalto está se sentindo "desconfortável" com o apoio a um negócio que ainda não está fechado entre os sócios privados.

"Primeiro, eles [Pão de Açúcar e Casino] têm que chegar a um acordo. Depois, o BNDES analisa o negócio", disse um assessor palaciano ao jornal. Mas não deveria ser o contrário?

A condenação à participação pública no negócio privado é unânime. Em editorial, O Estado de S.Paulo classifica a operação como "um negócio polêmico, legalmente arriscado, potencialmente nocivo a consumidores e fornecedores e inteiramente estranho à missão do BNDES.

(...)

Esse é um assunto estritamente privado e é um abuso tentar travesti-lo como questão de interesse nacional".

Também em editorial, o Valor considera que "a participação do BNDES na mais recente tacada do empresário Abílio Diniz é injustificável".

"Se o negócio for concretizado, o BNDES vai ter 18% da nova empresa e vai entrar no ramo de venda de frutas e verduras", ironiza o jornal.

Só Fernando Pimentel insiste numa visão obtusa da situação. Para ele, estão fazendo "tsunami em copo d'água". O ministro do Desenvolvimento teima em apregoar que não há dinheiro público envolvido no negócio privado e que o interesse nacional ganhará com a operação: "É uma operação normalíssima de negócios". Só ele acha isso.

O BNDES se financia com dívida pública e por meio do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Usa também recursos de retorno de empréstimos e de operações de mercado de capitais.

"O BNDESPar não tem recursos próprios e de forma permanente: a empresa só funciona graças ao que o BNDES lhe repassa, ora como capital (na verdade, nem repassa, mas o que se ganha aplicando no mercado acionário é transformado em capital social), ora como empréstimos - ou seja, o BNDESPar vive de tomar empréstimos do BNDES", escreve Mansueto Almeida, economista do Ipea.

Dinheiro este que o BNDES vem recebendo do Tesouro: foram R$ 230 bilhões desde 2009, sendo que R$ 55 bilhões foram aprovados nesta semana no Senado. O dinheiro público é captado no mercado a taxa de juro que hoje está em 12,25% ao ano e é emprestado para os amigos do banco a 6%.

Não custa lembrar que, só em juros da dívida pública, o Tesouro pagou R$ 100 bilhões até maio, conforme divulgado ontem.

Em anúncio que publica hoje nos principais jornais do país, o empresário Abílio Diniz afirma: "A questão principal, da qual não se deve desviar o foco, é a seguinte: a operação é ou não boa para o Pão de Açúcar?" Como se vê, a ótica de quem está na boca do caixa do BNDES para embolsar até R$ 4,5 bilhões é exclusivamente privada.

Para o contribuinte, porém, a pergunta que interessa é outra, já que há dinheiro público em jogo: "A operação é boa ou não para a sociedade brasileira?" A resposta é cristalina: não.

Fonte: ITV

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