"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

julho 08, 2011

ORÇAMENTO FEDERAL E A ILHA DA FANTASIA DO BNDES :Chegou a hora de acionar os freios.

Na esteira do ruidoso caso Pão de Açúcar, o BNDES não sai das manchetes. E não se pode dizer que a mídia esteja dando destaque a aspectos positivos da instituição.

O episódio, altamente desgastante para o governo, enseja reflexões sobre a lamentável trajetória do BNDES nos útimos anos. É preciso entender como as coisas chegaram a esse ponto e as correções que se fazem necessárias.

Desde 2008, o Tesouro tem feito transferências maciças de recursos ao BNDES, bancadas por emissão de dívida pública. Aos R$230 bilhões transferidos entre 2008 e 2010, somaram-se agora mais R$55 bilhões em 2011. O valor total - R$285 bilhões - é quatro vezes maior do que o da gigantesca operação de capitalização da Petrobras do ano passado.

Corresponde a cerca de 24 vezes o valor dos recursos do Tesouro canalizados ao PAC no primeiro semestre deste ano. Tais transferências, feitas por fora do processo orçamentário e sem contabilização nas estatísticas de dívida líquida e de resultado primário, têm permitido ao governo manter farto orçamento paralelo no BNDES, principal canal da expansão fiscal observada nos últimos anos.

Na gestão das contas públicas federais, convivem hoje dois mundos completamente ditintos. De um lado, tem-se a dura realidade do Orçamento Federal, onde tudo é escasso e se contam os centavos.

De outro, tem-se a Ilha da Fantasia do BNDES, mantida com emissões de dívida pública, onde parece haver recursos para tudo.


Não é surpreendente que esse ambiente de tanta fartura tenha fomentado um clima de megalomania e dissipação, fundado na presunção de que dinheiro público é o que não falta.
Ganham força as agendas próprias, multiplicam-se as missões inadiáveis e os investimentos grandiosos e voluntaristas, com custo a ser debitado ao contribuinte.


Disseminou-se a ideia de que não há projeto, por mais dispendioso e injustificável que pareça, que não possa ser financiado pelo BNDES.
E os que podem, ao banco, acorrem.


O que chama a atenção no caso Pão de Açúcar são a extensão e o vigor da resistência da opinião pública ao envolvimento do BNDES na operação.
Foi muito mais que reação da mídia.

É impressionante que até mesmo formadores de opinião que não perdem oportunidade de tecer elogios ao governo tenham manifestado estranheza com o despropósito da operação.


O caso parece ter sido a última palha diante do crescente desconforto com o destino pouco defensável que recursos públicos vêm tendo no BNDES. Os jornais de quarta-feira, 29, já não deixavam dúvidas sobre a extensão da indignação.

Mas o governo levou algum tempo para notar que o caldo tinha entornado. No dia 30, o BNDES ainda tentou enrolar-se na Bandeira Nacional para defender a operação.


Só no dia 1º, quando o alarme soou no Planalto, a instituição se viu afinal compelida a tentar desfazer a trapalhada e conter danos.

O episódio pode vir a ser um divisor de águas.
Salta aos olhos que chegou o momento de acionar os freios no BNDES. Já corre no Senado a proposta de que a Lei de Diretrizes Orçamentárias exija que futuras transferências ao BNDES sejam incluídas no Orçamento.

Mas só isso é pouco.
O ideal seria simplesmente fechar de vez a ligação clandestina do BNDES ao Tesouro.


A nota dissonante - quem diria - veio do Banco Central. O Relatório de Inflação, publicado pela instituição em 29/6, inclui estimativas dos impulsos fiscais a que vem sendo submetida a economia brasileira, feitas de acordo com três metodologias distintas. Todas elas baseadas no resultado primário do governo.

Tendo em conta as três medidas, o BC concluiu que a política fiscal foi neutra em 2010! Como os R$107,5 bilhões transferidos do Tesouro ao BNDES foram omitidos da estatística oficial de resultado primário, o BC simplesmente não conseguiu detectar a farra fiscal de 2010.

Quem deve estar eufórico é o ministro Guido Mantega. Ganhou do Banco Central um atestado de que foi austero em 2010.
Com um BC desses, sim, dá gosto trabalhar, terá comemorado Mantega.

Rogério L. Furquim Werneck O Globo

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