"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

junho 14, 2011

comonuncaantesnahistóriadestepaís : INTERESSE PÚBLICO ESTÁ À VENDA .

O anúncio no site é claro:
"Passo a presidência e diretoria de Oscip com 4 anos, devidamente registrada no Ministério da Justiça, sem nenhuma pendência em qualquer órgão regulador. Já com o certificado 2011. R$25.000".


A venda pela internet de Oscips - Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, entidades não governamentais sem fins lucrativos que recebem do Ministério da Justiça uma espécie de selo de qualidade, que lhes habilita a serem contratadas por governos e a prestarem serviços públicos - é o lado mais visível de uma série de irregularidades que envolvem essas entidades.

Criadas pela lei 9.790/1999 para distinguir, no universo das ONGs, as que têm chancela do Ministério da Justiça, as Oscips surgiram para melhorar a fiscalização do setor, mas, na última década, estão servindo a fraudes e desvios como ocorria antes com as ONGs.

Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), é de R$120 milhões o total de verba federal que não teve prestações de contas apresentadas ou ainda não analisadas de termos de parceria, instrumento de uso exclusivo das Oscips.

Ação contra "pirâmide"

A venda de Oscips foi alvo de operação da Controladoria Geral da União em dezembro de 2010, mas trocas de e-mails entre anunciantes das entidades e O GLOBO mostram que a prática continua.

Levantamento em acórdãos do TCU deste ano e do ano passado mostra outro tipo de fraude:
num processo seletivo, a Oscip concorre com outras entidades ligadas a ela - o que faz com que o resultado, seja ele qual for, beneficie a mesma entidade ou pessoa.


Empresas privadas também pagam uma "taxa de administração" a uma Oscip para que esta faça o contrato com o poder público, livrando-se, assim, da licitação - que seria necessária caso a empresa fosse contratada diretamente.

Nesse caso, a Oscip subcontrata a empresa que paga a taxa, e é esta que recebe a verba pública para o serviço. Segundo a CGU, além da venda, que "desqualifica o caráter filantrópico" da Oscip, a grande fraude tem sido "a criação de entidades de fachada":


- Elas simulam cotações de preços entre empresas muitas vezes fictícias, ou realização de eventos ou fornecimento de produtos - diz Luiz Navarro, secretário-executivo da CGU.

- Como Oscip não pode ter lucro, uma fraude que vimos é a Oscip criar empresas só para fornecerem nota fiscal a ela e, assim, "comprovar" despesa que não existiu, e isso é seu lucro - diz o delegado da Polícia Federal Fabiano Bordignon, responsável pela Operação Déjà Vu 2, de abril deste ano, que descobriu desvio de R$18 milhões em fraudes entre prefeituras e Oscips em quatro estados e no DF.

Outra prática - alvo de processo no Tribunal de Justiça do Rio, após ação do Ministério Público - é a de uma Oscip atuar como agente de financiamento imobiliário, num esquema de pirâmide: associados pagam uma espécie de parcela e recebem "pontos" se conseguem novos associados.

O GLOBO entrou em contato com o e-mail do anúncio que cobra R$25 mil por uma Oscip.

A resposta:
"Documentos registrados em cartório, da mesma forma será transferida em cartório. Favor deixar contato, já tenho negócio iminente".
Na resposta, assinada por "Márcio", o anunciante indica um link, que leva à Oscip Instituto Nacional de Fiscalização (INF).

O símbolo da entidade - que no site diz atuar no combate à pirataria - lembra o distintivo da Polícia Federal.


Em outro anúncio, a oferta:
"Passo a presidência de Oscip com 6 anos, com certificação, toda regularizada". O GLOBO fez contato por e-mail com o anunciante, que respondeu:
"Totalmente limpa e desimpedida, faça sua proposta".
Segundo ele, que usa o email "Sanpherr Construtora", a Oscip não presta serviços a órgãos públicos. Ainda de acordo com o anunciante, a razão da "desistência" da entidade é que "preciso de dinheiro".


Num outro anúncio, a prova de que até contratos com governos já são negociados irregularmente:
"Passo presidência de uma Oscip por R$300 mil. Temos créditos federais e estaduais de R$1 milhão". Ao ser procurado pelo GLOBO, o anunciante, "Edevaldo", alegou:
"Não tenho mais esses créditos, já venceu o prazo de uso".

"Atenção políticos e empresários! Passo toda diretoria de ONG com mais de dez anos. Pode fazer alteração no estatuto (...) e solicitar mudança de ONG para Oscip", divulgou outro anunciando, vendendo facilidades para conseguir a chancela do Ministério da Justiça.

Ao revelar o preço, uma mostra de como o mercado atua:
"Só R$20.000 (esse valor, se você colocar sistema de carnês para colaboradores, você tira em 2, 3 meses)".

Alessandra Duarte O Globo

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