Em 1983, o então governador de São Paulo, Franco Montoro, dizia a um grupo de prefeitos que não havia recursos para construir o viaduto que pleiteavam.
Os prefeitos reagiam:
"O senhor não pode agir como um tecnocrata, a decisão é política."
Montoro pegou a deixa e arrematou:
"Então, politicamente está decidido. Quanto tiver dinheiro, a gente faz."
Nesta semana, em debate no Congresso, o presidente do Tribunal de Contas da União, Benjamin Zymler, disse que o TCU adotará uma "visão política" no exame das obras da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016.
Há duas possibilidades na análise de uma obra pública, regular ou irregular.
A irregularidade pode ser leve ou grave, dolosa ou culposa, mas em qualquer caso trata-se de mau uso do dinheiro do contribuinte.
Como seria, portanto, uma reação política do TCU diante de indícios de irregularidades?
Zymler explicou:
"Devemos paralisar um estádio a seis meses da Copa do Mundo? Nestes casos, vamos levar em conta a importância do evento, o nome do Brasil como empreendedor eficiente."
Repararam a contradição?
Se o Brasil fosse mesmo um empreendedor eficiente, então as obras não estariam sendo feitas às pressas, com regras, digamos, mais flexíveis.
Se o TCU, portanto, detectar uma obra irregular e mesmo assim deixar que ela siga adiante, não estará defendendo a imagem de um Brasil eficiente, mas apenas fechando os olhos para uma ineficiência.
Eis a visão política à brasileira.
Esqueçam os números, a análise técnica, a lei e a ética.
Na história de Montoro, os prefeitos simplesmente ignoravam as restrições orçamentárias.
Como pode não ter dinheiro se a obra é necessária e, sobretudo, reivindicada por políticos eleitos, que a prometeram ao eleitor?
Essa é a visão que produz o déficit público e devolve a conta ao contribuinte.
Nos comentários de Zymler aparece uma visão política que passa por cima de restrições legais ou éticas.
Em nome da Copa e das Olimpíadas, pode-se ser mais flexível nas regras e mais tolerante na fiscalização.
A equação só fecha se a realização dos eventos esportivos entrar na categoria de interesse nacional.
Ou, falando francamente, se for um acontecimento patriótico.
Governos, em toda parte, tratam de vender isso.
O governo chinês claramente utilizou as Olimpíadas para apresentar ao mundo a China como a nova potência global.
No Brasil, o ex-presidente Lula e membros do governo Dilma consideram as críticas à administração das obras da Copa como atitudes de lesa-pátria.
Acham que a oposição quer ver o fracasso do Brasil só para atrapalhar o governo. Colocam a imprensa independente nessa categoria.
A pressão é tão intensa (lembram-se das broncas de Lula com o TCU?) que a "visão política" já prevalece. O atraso nas obras não é culpa da oposição, nem da imprensa, mas inteiramente do governo Lula.
Por exemplo, faz tempo que membros desse mesmo governo diziam que sem concessão os aeroportos não ficariam prontos. Agora, a presidente Dilma anuncia concessões, mas claramente já perdeu o prazo.
Lula reclamava das regras de licitação e de licenciamento ambiental.
Mas não encaminhou nenhuma medida de fundo para aperfeiçoar essas legislações.
Diante do evidente atraso, o governo Dilma propõe uma medida provisória para criar uma espécie de "via rápida" de licitações e fiscalização de obras.
O presidente do TCU apoia a MP, que certamente será aprovada pelo Congresso sob o argumento de que o Brasil não pode fazer feio.
Assim, caímos na "visão política" e no quebra-galho.
Nossa experiência diz que isso termina em obras malfeitas e caras.
Carlos Alberto Sardenberg O Globo
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