Perry Anderson, professor da Universidade da Califórnia em Los Angeles e antigo editor da New Left Review, publicou na London Review of Books de 31/3 o artigo Lula"s Brazil, recheado de ideias equivocadas e tendenciosas. É importante contestá-lo para evitar que se consolidem análises absurdas. O Brasil que existe de fato pouco tem que ver com o de Anderson, que é um Brasil para "inglês ver".
Do ponto de vista econômico, a análise é totalmente distorcida. Nada há no artigo que indique que a ridícula plataforma econômica que fazia parte do programa do PT até a Carta ao Povo Brasileiro teve influência dominante na deterioração dos indicadores macroeconômicos em 2002. A julgar pelo artigo, foi tudo culpa de seu predecessor. A louvação acrítica do Estado produtor e os lamentos quanto à "desindustrialização" são igualmente patéticos.
No afã de minimizar as consequências do "mensalão" sobre a legitimidade do PT como partido renovador na política brasileira, o autor se escora na menção a práticas fisiológicas empregadas na eleição presidencial de 1998. A assimetria é óbvia. O intuito é desqualificar críticas que possam ser feitas em relação ao naufrágio do partido na fisiologia.
Afinal, se as práticas de corrupção política são generalizadas, o PT estava apenas fazendo o que todo mundo fazia. Estamos acertados:
não há pecado do lado de baixo do Equador.
Em sintonia com a tentativa de minimizar os respingos do "mensalão" se enquadram seus comentários sobre o Supremo Tribunal Federal (STF). São na mesma linha da cínica menção de Lula ao provável julgamento do assunto lá por volta de 2050.
Embora o STF tenha notórias deficiências, os comentários de Anderson são desatinados:
"O que pensar do STF que absolveu Palocci? Daumier teria dificuldades em retratá-lo. Supostamente trataria apenas de questões constitucionais, mas processa, se esta é a palavra correta, 120 mil casos por ano, ou 30 por dia por membro da corte.
Advogados transacionam privadamente com juízes e há casos em que, favorecidos por seus veredictos, os abraçam à vista de todos e lhes pagam jantares copiosos em restaurantes sofisticados. Dos 11 atuais membros do tribunal, 6 deles indicados por Lula, 2 foram condenados por cortes inferiores.
Um deles, escolhido por seu primo Collor, fez história ao garantir imunidade a um acusado antes do julgamento, mas foi salvo de remoção pelos seus pares "para preservar a honra da corte". Outro, amigo de Cardoso, apoiou o golpe de 1964 e não pode se jactar nem mesmo de um diploma de bacharel de Direito.
Um terceiro, ao votar em julgamento crucial para absolver Palocci, recebeu agradecimentos do presidente por assegurar a governabilidade. Eros Grau, que se aposentou recentemente, foi condenado por tráfico de influência, é um favorito especial de Lula, chamado de "Cupido" por colegas, autor de uma novela pornográfica de quinta categoria, tentou incluir um associado na corte em troca de voto para enterrar o "mensalão"".
Apesar da última afirmação, a saraivada de críticas cheira a tentativa orquestrada de enfraquecer o STF, dificultando um julgamento sério do caso. A truculência do autor certamente ajuda os que temem os resultados do julgamento. E contrasta com a sua leniência persistente em relação ao Executivo.
A severidade dos juízos de Anderson também é claramente atenuada quando se trata de alisar egos de intelectuais alinhados ao PT. Após elogios a gente séria, o autor descamba para elogios a cupinchas seus do calibre de Emir Sader e Márcio Pochmann, cujas atuações no âmbito da Casa de Rui Barbosa (CRB) e do Ipea são de conhecimento público.
Curiosamente, a proposta de programa de pesquisas de Sader na CRB era exatamente "O Brasil de Lula".
O artigo está repleto de erros factuais e omissões que a falta de espaço impede listar exaustivamente. Embora muito longo, ele é curiosamente inconclusivo. O autor não consegue superar seu banzo em relação ao recuo da esquerda em escala global nem esconde sua melancolia quando constata que as perspectivas de mudanças radicais no País são modestas.
E, no entanto, há razões suficientes para preocupações com a estabilidade do controle político exercido pela atual coalizão governamental. Lula, arguto e carismático, foi capaz, em 2002-2003, de ejetar o estapafúrdio programa econômico do PT, apropriar-se do cerne do programa econômico do predecessor, mobilizar sua veia populista e ampliar o escopo das políticas sociais.
Tudo isso em ambiente em que o PT se propunha, com credibilidade, como paradigma para a reconstrução de outros partidos políticos não fisiológicos. O Brasil iria, enfim, ficar sério politicamente. Após o "mensalão", entrou em colapso o PT paradigmático e ganhou espaço o Lula carismático, amparado na inflação baixa e no Bolsa-Família.
Mas no segundo mandato houve considerável "flexibilização" da política econômica, que culminou nas atuais dificuldades quanto à aceleração inflacionária e sustentação do crescimento.
O problema hoje é como Dilma Rousseff, sem o carisma do antecessor e em ambiente político dominado pela fisiologia, terá condições de debelar o recrudescimento inflacionário que certamente minará a popularidade do seu governo.
Caso fracasse, até mesmo a volta de Lula, o nosso d. Sebastião, poderia ser ameaçada.
Marcelo de Paiva Abreu O Estado de S. Paulo
Do ponto de vista econômico, a análise é totalmente distorcida. Nada há no artigo que indique que a ridícula plataforma econômica que fazia parte do programa do PT até a Carta ao Povo Brasileiro teve influência dominante na deterioração dos indicadores macroeconômicos em 2002. A julgar pelo artigo, foi tudo culpa de seu predecessor. A louvação acrítica do Estado produtor e os lamentos quanto à "desindustrialização" são igualmente patéticos.
No afã de minimizar as consequências do "mensalão" sobre a legitimidade do PT como partido renovador na política brasileira, o autor se escora na menção a práticas fisiológicas empregadas na eleição presidencial de 1998. A assimetria é óbvia. O intuito é desqualificar críticas que possam ser feitas em relação ao naufrágio do partido na fisiologia.
Afinal, se as práticas de corrupção política são generalizadas, o PT estava apenas fazendo o que todo mundo fazia. Estamos acertados:
não há pecado do lado de baixo do Equador.
Em sintonia com a tentativa de minimizar os respingos do "mensalão" se enquadram seus comentários sobre o Supremo Tribunal Federal (STF). São na mesma linha da cínica menção de Lula ao provável julgamento do assunto lá por volta de 2050.
Embora o STF tenha notórias deficiências, os comentários de Anderson são desatinados:
"O que pensar do STF que absolveu Palocci? Daumier teria dificuldades em retratá-lo. Supostamente trataria apenas de questões constitucionais, mas processa, se esta é a palavra correta, 120 mil casos por ano, ou 30 por dia por membro da corte.
Advogados transacionam privadamente com juízes e há casos em que, favorecidos por seus veredictos, os abraçam à vista de todos e lhes pagam jantares copiosos em restaurantes sofisticados. Dos 11 atuais membros do tribunal, 6 deles indicados por Lula, 2 foram condenados por cortes inferiores.
Um deles, escolhido por seu primo Collor, fez história ao garantir imunidade a um acusado antes do julgamento, mas foi salvo de remoção pelos seus pares "para preservar a honra da corte". Outro, amigo de Cardoso, apoiou o golpe de 1964 e não pode se jactar nem mesmo de um diploma de bacharel de Direito.
Um terceiro, ao votar em julgamento crucial para absolver Palocci, recebeu agradecimentos do presidente por assegurar a governabilidade. Eros Grau, que se aposentou recentemente, foi condenado por tráfico de influência, é um favorito especial de Lula, chamado de "Cupido" por colegas, autor de uma novela pornográfica de quinta categoria, tentou incluir um associado na corte em troca de voto para enterrar o "mensalão"".
Apesar da última afirmação, a saraivada de críticas cheira a tentativa orquestrada de enfraquecer o STF, dificultando um julgamento sério do caso. A truculência do autor certamente ajuda os que temem os resultados do julgamento. E contrasta com a sua leniência persistente em relação ao Executivo.
A severidade dos juízos de Anderson também é claramente atenuada quando se trata de alisar egos de intelectuais alinhados ao PT. Após elogios a gente séria, o autor descamba para elogios a cupinchas seus do calibre de Emir Sader e Márcio Pochmann, cujas atuações no âmbito da Casa de Rui Barbosa (CRB) e do Ipea são de conhecimento público.
Curiosamente, a proposta de programa de pesquisas de Sader na CRB era exatamente "O Brasil de Lula".
O artigo está repleto de erros factuais e omissões que a falta de espaço impede listar exaustivamente. Embora muito longo, ele é curiosamente inconclusivo. O autor não consegue superar seu banzo em relação ao recuo da esquerda em escala global nem esconde sua melancolia quando constata que as perspectivas de mudanças radicais no País são modestas.
E, no entanto, há razões suficientes para preocupações com a estabilidade do controle político exercido pela atual coalizão governamental. Lula, arguto e carismático, foi capaz, em 2002-2003, de ejetar o estapafúrdio programa econômico do PT, apropriar-se do cerne do programa econômico do predecessor, mobilizar sua veia populista e ampliar o escopo das políticas sociais.
Tudo isso em ambiente em que o PT se propunha, com credibilidade, como paradigma para a reconstrução de outros partidos políticos não fisiológicos. O Brasil iria, enfim, ficar sério politicamente. Após o "mensalão", entrou em colapso o PT paradigmático e ganhou espaço o Lula carismático, amparado na inflação baixa e no Bolsa-Família.
Mas no segundo mandato houve considerável "flexibilização" da política econômica, que culminou nas atuais dificuldades quanto à aceleração inflacionária e sustentação do crescimento.
O problema hoje é como Dilma Rousseff, sem o carisma do antecessor e em ambiente político dominado pela fisiologia, terá condições de debelar o recrudescimento inflacionário que certamente minará a popularidade do seu governo.
Caso fracasse, até mesmo a volta de Lula, o nosso d. Sebastião, poderia ser ameaçada.
Marcelo de Paiva Abreu O Estado de S. Paulo
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