Quanto a opinião de alguém pode mudar em sete meses? Na terça-feira, a presidente Dilma Rousseff saiu de uma reunião com Terry Gou, presidente da Foxconn, anunciando que a empresa taiwanesa planeja investir US$ 12 bilhões em uma fábrica de telas digitais no Brasil, criando 100 mil empregos.
O entusiasmo de Gou com o País, retratado nos planos anunciados pelo governo brasileiro, contrasta fortemente com o que o bilionário taiwanês havia dito em setembro ao jornal The Wall Street Journal. Um trecho de uma entrevista em que falou sobre o Brasil foi recuperado pelo blog China Real Time Report, do próprio jornal.
Na entrevista, Gou reclamou dos salários "muito altos" dos brasileiros e, segundo o blog, "ridicularizou" a ideia de que o País possa fazer frente ao poder industrial da China:
"Os brasileiros, assim que ouvem a palavra "futebol", param de trabalhar. E tem também toda a dança. É loucura".
Ele elogiou o potencial hidrelétrico do País e a produção de minérios, mas disse que as condições de produção são corretas somente para atender ao mercado local.
"Se você quiser exportar coisas para os Estados Unidos, precisa de mais tempo e de mais dinheiro para enviar do Brasil (quando comparado com a China)."
O anúncio do governo foi recebido com ceticismo pela indústria brasileira. A própria Foxconn não confirmou o investimento.
"Guiada pela estratégia de "estar onde o mercado está", estamos há bastante tempo estudando oportunidades de investimento no Brasil", disse a empresa, em comunicado. "Estamos atualmente no processo de explorar oportunidades nesse mercado importante e conduzindo uma análise substantiva do ambiente geral de investimento do País."
Sobre os números divulgados pelo governo brasileiro, a empresa informou: "A respeito da confirmação de qualquer projeto de investimento, a política da Foxconn é de fazer anúncios somente depois de receber as aprovações relevantes de nosso conselho de administração e de qualquer autoridade relevante".
Desconfiança.
O problema dos números anunciados pelo governo brasileiro é que estão bem além das dimensões do mercado eletroeletrônico brasileiro. Todo o setor emprega 175 mil pessoas no País. A Foxconn estaria disposta a contratar 100 mil funcionários, incluindo 20 mil engenheiros. Não existe gente treinada suficiente para preencher essas vagas.
O valor de US$ 12 bilhões equivale a quatro fábricas de semicondutores, que o Brasil tenta atrair há mais de uma década, sem sucesso.
Uma fábrica completa de telas de cristal líquido exigiria um investimento semelhante a uma fábrica de chips.
O temor das empresas instaladas no Brasil é que o anúncio possa ser usado para barrar qualquer tentativa de proteger a produção local contra a invasão de produtos chineses. Apesar de taiwanesa, as principais unidades de produção da Foxconn, maior fabricante de eletrônicos do mundo, estão na China.
No Brasil, o setor tem defendido elevação de impostos de importação, para reduzir o déficit do eletroeletrônico que, em 2010, chegou a US$ 27,5 bilhões. Pelo que temem algumas fontes da indústria, o anúncio de investimento serviria para impedir a imposição de barreiras ao produto chinês.
Crise.
A história recente da empresa foi marcada pela crise causada por suicídios de funcionários em suas unidades chinesas. Desde 2007, 17 empregados da Foxconn teriam se matado ao pular das janelas dos prédios da companhia. Isso levou a empresa a instalar redes de proteção em volta de seus edifícios.
Renato Cruz/O Estado de S. Paulo
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