"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

dezembro 01, 2010

É NA MARÉ BAIXA QUE SE VÊ QUEM NADA PELADO .

Nunca se deve subestimar o gosto do presidente Lula pelo som da própria voz. Ainda assim, é improvável que neste seu derradeiro mês no Planalto ele ainda tenha tempo de proferir uma falsidade comparável às suas reiteradas garantias de que não indica nomes para Dilma Rousseff porque o futuro Ministério tem de ter "a cara" dela.

Teria se a sucessora tivesse barba e bigode.

De fato, o que se desenrola em Brasília nas últimas semanas, à vista do País, é menos a constituição de um novo Gabinete, de acordo com as preferências pessoais e os compromissos políticos de um líder em vias de assumir a Presidência, do que outra reforma ministerial do governo Lula.

Foi ele, afinal, quem manteve nos seus lugares - por enquanto - o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o titular da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha. Dilma também fez a vontade de Lula trazendo o antecessor de Mantega, Antonio Palocci, para a Casa Civil, o coração do poder.
Nesse caso, aliás, pode-se falar em indicações em sequência.

Foi Lula quem instalou o ex-ministro na cúpula da campanha da sua apadrinhada, de onde ele desalojou o amigo mais próximo da candidata, Fernando Pimentel, ex-prefeito de Belo Horizonte. Passada a eleição, nada mais natural que Palocci conduzisse a transição de governo.

A lista continua.
Por escolha do presidente, ficará no Planalto, porém em outra sala, o seu chefe de gabinete, Gilberto Carvalho, transferido para a Secretaria-Geral da Presidência. Ainda graças a Lula, sairá do Planalto, em direção à Esplanada, a assessora Miriam Belchior, promovida a ministra do Planejamento - cujo titular, Paulo Bernardo, deverá por sua vez migrar para as Comunicações. Lula ainda se movimenta para manter no governo, embora não mais no Banco Central, o atual presidente Henrique Meirelles.

Na montagem da coligação dilmista, Lula tentou emplacar o seu nome como vice, mas o PMDB exigiu Michel Temer.

Agora, com o aval do patrono de Dilma, Meirelles ocuparia o futuro (e cobiçado) Ministério dos Portos e Aeroportos. Lula também aconselhou a sua pupila a conservar Nelson Jobim na Defesa e Marco Aurélio Garcia como assessor internacional.

Teria feito o mesmo por Carlos Luppi no Trabalho e por Sérgio Gabrielli na Petrobrás. Em relação a todos eles, as preferências do presidente ou nem precisavam ser enunciadas ou foram transmitidas com relativa discrição.
(...)
O que, aliás, vem repetindo todos os dias, desde que a formação do Ministério de Dilma passou a ocupar lugar predominante no noticiário político, recorrendo, como sempre, às metáforas futebolísticas tipo "o técnico tem de ter liberdade para mudar seu time".

Já se escreveu que jamais um presidente brasileiro interferiu tanto na composição da equipe do sucessor. Mas a verdade é que a presente conjuntura é única na história da democracia brasileira.

Antes de 1964, só um presidente (Vargas) viu eleger-se quem apoiava (Dutra). Depois da ditadura, Sarney herdou o governo que Tancredo montara, Itamar completou o mandato de Collor, com a glória do lançamento do Real, Fernando Henrique e Lula foram os seus próprios sucessores.

Para completar o ineditismo, elege-se presidente uma figura que nunca disputou um mandato, carente de base política própria, escolhida, construída e conduzida à vitória por seu mentor.

Mesmo que Lula fosse honesto ao falar em "rei morto, rei posto", seria apenas natural que Dilma Rousseff fosse bater à sua porta na hora de escalar o seu time.

O Brasil terá quatro anos para saber até onde irá essa dependência.

O Estado de S.Paulo
Íntegra : A 'reforma ministerial'

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