"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

dezembro 01, 2009

È TEMPO DE DEFINIÇÕES

Por Mauro Santayana

O tempo começa a exigir as definições políticas.

Dentro de um ano, os eleitores irão escolher os chefes do Poder Executivo da União e dos Estados, parte dos senadores e todos os outros membros do Poder Legislativo.

Na história republicana brasileira, a partir de 1922, quase todos os processos sucessórios têm sido traumáticos.

A exceção se deu com as duas reeleições, de Fernando Henrique e de Lula.

Como ocorre também nos Estados Unidos, é preciso ser muito incompetente para perder uma reeleição.

Por mais correto seja o chefe de um Poder Executivo, a sua força é quase natural.

Sua personalidade é imposta ao imaginário popular em todas as horas.

É difícil que seu nome não seja pronunciado, pelo menos uma vez ao dia, por todos os cidadãos, quer o admirem, quer o detestem.

O grande trunfo da democracia republicana está na alternância de homens no exercício do poder.

Por mais honrado e correto seja um governante, a sua permanência no poder por muito tempo compromete o Estado e acaba por comprometê-lo.

A rotina do mando, o ácido das lisonjas, o conforto que o cerca, tudo isso implica em uma mudança de personalidade, se o escolhido não dispuser de um caráter inabalável.

Uma das graves consequências disso é a dificuldade de avaliar bem as circunstâncias e agir com prudência.

Como muitos já disseram, a melhor forma de administrar o êxito é não acreditar nele.
Isso é válido em todas as situações e mais ainda quando se trata da ação política.

Quando se inicia o processo sucessório, voltamos a algumas verdades que ficam em segundo plano depois que o pleito se realiza.

Uma dessas verdades é a de que não temos partidos nacionais.

Os partidos são agremiações estaduais e, em alguns casos, municipais.

Eles se organizam em torno de certas pessoas destacadas em suas comunidades, e nas quais exercem algum grau de liderança.

São essas pessoas que se organizam em alianças políticas, e quase sempre decidem os pleitos.

Mesmo quando um candidato parece irresistível, por detrás de sua campanha vitoriosa há toda uma maquinaria política em ação.

Ela se manifesta na reorganização dos diretórios municipais, na acomodação das ambições pessoais, nos compromissos que podem ser de interesse geral – como a construção de hospitais e escolas – ou de natureza menos nobre, quando não claramente ignóbil.

Em muitos casos, trata-se de conciliábulos repulsivos, mas isso não é o comportamento geral dos homens públicos.

Queixa-se o presidente Lula da dificuldade em acomodar as bases aliadas dos estados em torno de candidatos em comum, o que ajudaria sua candidata, Dilma Rousseff, na campanha.

Ela teria, na situação ideal, um só grupo em que se apoiar e a que apoiar.

Se houver dois candidatos a governador e a senador que a apoiem, a prudência lhe recomenda não dar suporte decisivo a nenhum.

Isso, como é óbvio, favorecerá o candidato adversário.
Mas também esse estará sujeito às mesmas dificuldades.

A solução, já encontrada em situações semelhantes no passado, está em desvincular as campanhas.

A campanha para a Presidência é uma; a campanha para os governos estaduais é outra, e outra ainda a campanha para o Senado.

A candidata oficial é senhora de incontestável trunfo eleitoral, que é o apoio do presidente da República.

Mas não bastará esse apoio, por mais importante ele seja (e é) para deixar de subir o elevador privativo como ministra e passar a subir simbolicamente a rampa do Palácio do Planalto, como chefe de Estado.

Ela terá que costurar, pessoalmente, as alianças estaduais, e isso implica ter muita paciência e tolerância para suportar choros e gemidos, patrocinar reconciliações, avalizar compromissos.

Sua principal dificuldade, embora não pareça aos leigos, está no próprio Partido dos Trabalhadores.

A fidelidade do PT a Lula é sólida, mas não se pode dizer o mesmo do entusiasmo do partido em arrimar uma candidatura recomendada pelo líder.

Ela vencerá a convenção, mas deverá trabalhar muito, nos próximos meses, a fim de reunir o ânimo guerreiro das correntes petistas para a campanha.


Se não houver alternativas claras de uma sucessão que garanta a continuidade do processo de afirmação nacional, a ideia de que o sucessor de Lula seja Luiz Inácio não parecerá descabida – e isso não interessa ao país, nem ao respeito da posteridade que o presidente almeja.