"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

novembro 20, 2009

STF SOB O PLANALTO


“Decisão do Supremo não se discute, cumpre-se”, vivia repetindo Ulysses Guimarães. 


Uma boa frase e um evidente exagero.


Como tudo o mais, em países democráticos também decisões do Supremo Tribunal Federal estão sujeitas a discussões, debates e, se for o caso, críticas veementes. 


Quanto ao que vinha depois da vírgula, nenhum reparo a fazer: 
o que foi resolvido pelo STF é coisa para se cumprir. 


Supremo, segundo o dicionário, é “o que está acima de tudo”.


Não necessariamente, avisou a espantosa decisão de entregar ao presidente da República o julgamento em última instância do caso Battisti. 


Na primeira parte da sessão desta quarta-feira, por 5 votos a 4, o tribunal resolveu que os os crimes cometidos por Cesare Battisti não têm caráter político e aprovou o pedido de extradição formulado pela Itália. 


Na segunda parte, pela mesma contagem, ressalvou que, por se tratar de ”um caso de política internacional”, o que parecera uma sentença era uma autorização para que o delinquente italiano seja extraditado. 


A palavra final é de Lula.

Pela primeira vez na história, a Corte que, por ser suprema, deveria estar acima de tudo, colocou-se voluntariamente abaixo do chefe do Executivo.

Se quiser extraditar o homicida condenado à prisão perpétua pela Justiça italiana, Lula terá a bênção do STF.

  
Também a terá se resolver que o terrorista de estimação do ministro Tarso Genro deve ficar por aqui. 


Mas não pode incluir Battisti na categoria dos refugiados políticos, porque a primeira decisão da quarta-feira assombrosa anulou a promoção decretada por Tarso Genro. É o Brasil.


Incorporados desde o começo ao esforço para livrar Battisti do cumprimento da pena, os ministros Marco Aurélio Mello, Carmen Lúcia, Eros Grau e Joaquim Barbosa ao menos agrediram a lógica com bastante coerência. 


Derrotados na tentativa de rejeitar a extradição, os quatro se juntaram para os trabalhos de parto do Grande Juiz do Planalto.


Bem mais surpreendente foi o monumento à contradição erguido pelo comportamento pendular de Ayres Britto.


Em 9 de setembro, o ministro afirmou que Battisti deveria ser extraditado por não ter sido movido por motivos políticos. 


E nos de três meses mais tarde, invocando motivos políticos, defendeu enfaticamente a ideia de transferir para Lula a palavra final.

Nesse período, não foram acrescentados ao processo quaisquer indícios, evidências ou provas.

 

A única novidade foi a incorporação à tropa dos advogados de defesa do jurista Celso Antônio Bandeira de Mello, que sugeriu a nomeação de Ayres Britto para a vaga no Supremo.


“O presidente é chefe de Estado e titular da política internacional”, tentou explicar-se o ministro. 


Se é assim, por que o STF andou desperdiçando tempo, dinheiro e a paciência dos brasileiros que pensam e pagam a conta? 


”O tribunal entra no circuito para garantir os direitos humanos”, complicou Ayres Britto. 


Difusas razões humanitárias provavelmente serão evocadas por Lula para descumprir o que determina o tratado de extradição assinado pelos dois países.


“Não faz sentido entregar um perseguido ao carrasco”, declamou Tarso Genro. 


Foi exatamente o que fez o ministro da Justiça ao deportar para Cuba os pugilistas Erislandy Lara e Guillermo Rigondeaux, capturados no Rio quando tentavam a fuga rumo à Alemanha. 


A misericórdia de Tarso é orientada pelo critério da amizade. 


Como é amigo de Battisti, estende-lhe a mão solidária que negou aos dois cubanos por ser amigo de Fidel Castro. 


Em ambos os casos, Lula avalizou as decisões do companheiro gaúcho.


O tratamento dispensado aos dois episódios informa que a subordinação do STF ao Executivo abre um precedente perturbador. 


Imagine-se, por exemplo, que os ministros tenham de julgar um caso semelhante ao dos cubanos, e decidam que um estrangeiro perseguido no país de origem merece viver em segurança no Brasil.


Se quiser, Lula poderá deportá-lo. 
Nesta quarta-feira, o Supremo autorizou o presidente da República a fazer a opção pela infâmia sem nenhum risco de ser julgado.


É ele quem decide em última instância.

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