"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

janeiro 14, 2012

O ovo da serpente é a promiscuidade público-privado

Leia a seguir a entrevista com o filósofo Roberto Romano, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Valor:
O senhor escreve que no Brasil o termo "ética" é confundido com "agir bem", mas temos no país uma ética, embora distorcida.


Roberto Romano:
O elemento fundamental e mais perigoso da ética é que é um comportamento coletivo, aprendido e reiterado, mas inconsciente. Por ser automático, inculcado desde a primeira infância, depois reiterado na vida social, as pessoas agem em termos éticos inconscientemente.

Para o bem e para o mal. O parentesco mais exato da ética é com o termo grego "hexis":
postura.

A ética resulta da postura. Se a pessoa não aprendesse a ter a postura correta na guerra, avançar e recuar, guerra estaria ameaçada. O esforço é para que a postura seja a mais correta possível desde a infância.

Assim, quando o guerreiro estivesse na batalha, não teria de pensar em como usar o corpo. E a ideia de postura passou para os valores.


Valor:
A analogia continua valendo?


Romano:
Nossas sociedades estão cada vez maiores e mais velozes, os valores não conseguem ser transmitidos às novas gerações. Dou o trânsito brasileiro como exemplo. Desde a era Juscelino Kubitschek, no Brasil o certo é acelerar quando aparece um pedestre. Até então, a sociedade brasileira urbana era atlântica.

No interior, havia o código rígido dos caipiras, descrito em livros de Antonio Candido e Maria Silvia Carvalho Franco: o tratamento cerimonioso, o decoro estrito. No litoral, havia procedimentos copiados da Europa. Com Juscelino, veio a rápida interiorização das urbes.

A ética tem um tempo de maturação para ser socializada e definida. Desde os anos 70, ela está indefinida. É muita gente para se aculturar em novas regras: as múltiplas experiências éticas conflitantes precisam de tempo para formar uma cultura.


Valor:
Se vivemos um período de adaptação, como sabemos que caminhamos para solidificar um código ético?


Romano:
A solidificação de um paradigma ético conta com a concorrência da religião, das artes, dos esportes, da guerra etc. A partir daí, as pessoas agem automaticamente e a inconsciência é o que faz com que as pessoas muitas vezes ajam de uma maneira violenta, truculenta, corrupta, mas pensando que são boas. Acham que é bastante natural agir assim.


Valor:
Daí, então, a frase de Fernando Bezerra Coelho sobre discriminar Pernambuco?


Romano:
Há coisas até mais extremas.
O mais corrupto dos corruptos, quando vê no jornal que é um corrupto, fica indignado. O que ele está fazendo é o certo. É típico no Brasil.

E tem a questão dos municípios também, porque no Brasil não temos município de verdade. O município, tradição herdada de Roma, é a principal instância de poder local. É uma localidade que mantém sua autonomia.

Os municípios do Brasil não têm autonomia, nem financeira, nem jurídica. Não são realmente municípios. O dinheiro vai dos municípios para Brasília e é redistribuído para as regiões de acordo com a força das oligarquias regionais.

Enquanto houver centralização de impostos no Brasil, vai haver corrupção. O único jeito que tem o político de se reeleger é trazendo obras para a região. E o que é necessário fazer para conseguir trazer as obras?

Isso que Fernando Bezerra faz e que todos os políticos, de esquerda e de direita, fazem. É dando que se recebe.
Isso criou uma ética.


Valor:
É uma corrupção compulsória?


Romano:
Sim. Por mais que o eleitor pense que determinados escândalos são uma vergonha, pergunte a ele se ele não vota em alguém que traz obras para o município.

É resultado do sistema superconcentrado de poderes no Brasil. A centralização criou essa ética. No século XIX, as cidades mais ricas do ciclo do café passavam décadas sem receber obras públicas, hospitais, curtumes, escolas.

Aí os "homens bons" (um termo latino, "boni viri", que designa os ricos), que eram prefeitos e vereadores, emprestavam de seus bolsos para obras no município. O que aparecia para o cidadão comum? Que era um favor enorme.

Aí aparece o ovo da serpente da ética brasileira:
a promiscuidade entre o cofre público e o cofre privado.


Valor:
E foi esse raciocínio que, ao se tornar hegemônico, fundeou a ética brasileira?


Romano:
Os políticos não tiram mais dinheiro do bolso, mas se sentem no direito de tirar uma parcela do dinheiro público para se reeleger, porque são beneméritos da região.

Para usar os termos do Bezerra, fazem o que tem de ser feito. Se um político, acostumado a esse modus operandi, ouvir "você é corrupto", dá um tiro na cara.
Na cabeça dele, está fazendo o que é certo, natural, que é consagrado e vai dar votos.


Valor:
Isso se aplica também ao caso do CNJ e demais instrumentos de controle?


Romano:
O Judiciário brasileiro herdou a tradição centralista e absolutista. Tem estrutura própria, não responde diante da cidadania, os juristas se acham superiores. O maior insulto que um pode fazer a outro é "leigo".
É defeito de nossos juristas, colocar-se como sapientes e o resto tem de calar a boca.

Se for falar em eleição para qualquer jurista brasileiro, ele responde:
"Que absurdo! Como um juiz vai ser influenciado pela cabeça do eleitor!"
Como por a sacralidade da lei na mão de eleitor? É curioso que sobreviva o discurso do povo soberano aqui.

Estranho soberano, porque todo mundo cospe em cima.

Entra-se em qualquer repartição no Brasil tem um cartaz dizendo que quem desrespeitar uma autoridade está sujeito a tal e tal punição.

Nunca se vê nenhuma referência a autoridades tendo de respeitar o cidadão.


Valor:
Em termos de controle do comportamento público, não podemos ficar pelo menos um pouco animados com instituições de controle como o próprio CNJ, a CGU, a AGU, a PF?


Romano:
Acho que sim. A CGU [Controladoria Geral da União] é excelente.
Mas são mais de 5 mil municípios e a CGU tem a marca da centralização do Executivo.

Já o CNJ, que veio no bojo da constituição de 1988, também é fundamental, mas é uma estrutura de cúpula e tem representantes de setores sem o poder Judiciário na mão.

Uma juíza como Eliana Calmon, que merece todo apoio, pode agir como corregedora com tanta força porque ela também é juíza, ou seja, integrante do Judiciário.

Valor Econômico

Eliana Calmon para o STF

Dentre os três Poderes clássicos do Estado democrático de direito (Executivo, Legislativo e Judiciário), apenas este último não é essencialmente democrático - já que não submetido ao escrutínio do "demos" (o povo) na definição de sua composição.

Antes, o recrutamento de seus membros se dá com base noutro princípio, o meritocrático - já que seus membros são escolhidos com base numa demonstração de mérito técnico, ou profissional, mediante concursos públicos. Assim, enquanto no Executivo e no Legislativo os detentores do poder decisório principal são políticos eleitos, no Judiciário este papel cabe a funcionários concursados - os juízes.


Por isto, do ponto de vista da fonte de sua legitimidade como agente público, o juiz não é diferente de qualquer outro funcionário público -
seja ele um policial,
um professor,
um médico,
um oficial de justiça ou um simples atendente de balcão.


Todos estão ali porque prestaram um concurso e nele foram aprovados, tendo demonstrado méritos profissionais suficientes para exercer a função que exercem.

Se, por um lado, a meritocracia que caracteriza a burocracia de Estado é um trunfo para o desempenho de tarefas que requerem antes a competência profissional específica do que a representatividade com relação à sociedade, por outro ela torna tais profissionais menos sujeitos ao controle dos cidadãos aos quais servem (ou deveriam servir).

E, na falta de controle pelos afetados, há o risco de que os funcionários utilizem de seu poder (o "kratos" da burocracia) em proveito próprio e em detrimento dos demais.


Judiciário é um espaço aristocrático na democracia

Assim, policiais podem se tornar truculentos ou corruptos,
professores podem se tornar preguiçosos ou autoritários,
médicos podem se tornar indiferentes e pouco assíduos,
oficiais de justiça podem se acovardar ou acomodar,
atendentes de balcão podem se tornar desatenciosos ou rudes.
Por que com juízes seria diferente?


Enquanto políticos ineficazes ou corruptos são submetidos ao escrutínio popular e podem não voltar a ser eleitos, funcionários concursados gozam de estabilidade no emprego. No caso de juízes, desfrutam de vitaliciedade e inamovibilidade.

Certamente estas são condições necessárias ao bom exercício de suas funções, pois juízes receosos de uma eventual demissão, ou de uma transferência involuntária do Rio Grande do Sul para Rondônia, correriam o risco de não proferir decisões acordes com a justiça.
.
Contudo, se por um lado tais proteções viabilizam bons julgamentos, por outro criam uma categoria profissional insulada dos anseios sociais.

Isto é particularmente grave por se tratar de funcionários do Estado que, diferentemente dos demais burocratas públicos, tomam decisões de especial gravidade para os cidadãos - afinal, são os detentores de um "poder político de Estado", e não apenas seus servidores administrativos.


É esta importância política que confere aos juízes uma aura distinta dos demais servidores públicos, elevando-os do patamar de uma mera burocracia ("governo do escritório") para o de uma aristocracia ("governo dos melhores").

E, como toda aristocracia, os juízes tendem a se perceber como distinguidos dos demais cidadãos - afinal, são melhores que eles. A consequência da distinção é o privilégio:
férias de dois meses;
auxílio moradia para quem reside na própria cidade em que trabalha;
punições premiadas,
como as aposentadorias antecipadas para delinquentes togados etc..

O problema é que, como estamos num Estado "democrático" de direito, e a democracia supõe um governo de iguais, privilégios aristocráticos são ilegítimos, o que sempre torna necessário que porta-vozes da magistratura venham a público dar-nos desculpas esfarrapadas sobre as suas razões.

Na democracia não há lugar para aristocracias; todas se convertem em oligarquias.


A democratização do Judiciário, de modo a torná-lo consentâneo à ordem democrática, requer a anulação do caráter aristocrático da magistratura. A parte mais simples da solução deste problema é a extinção das distinções privilegiadas (como as férias duplas).

A parte mais complexa é a criação de mecanismos institucionais que tornem os juízes mais responsáveis perante o resto da sociedade, obrigando-lhes a prestar contas e impondo-lhes controles (como o CNJ).

Um mecanismo possível, que opera verticalmente, é a eleição de juízes, como já ocorre há séculos em tradições jurídicas diferentes da nossa (tradições mais democráticas que a nossa, entenda-se).


Outra possibilidade são os mecanismos horizontais, de controle dos demais Poderes sobre as Cortes. Em parte isto já ocorre na cúpula do Judiciário, pois (felizmente) a nomeação de seus membros está sujeita a autoridades políticas eleitas - indicação pelo chefe do Executivo e sabatina pelo Legislativo.

O problema é que tais processos são rápidos demais (inviabilizando uma ampla deliberação pública sobre os nomes) e recebem pouca atenção da imprensa e dos cidadãos.

O desejável seria que recebessem uma atenção pública similar à conferida a processos eleitorais - afinal, trata-se de algo equivalente. Essa é uma oportunidade também de arejar a cúpula do Judiciário com juristas oriundos de fora da magistratura - e, portanto, menos propensos aos seus pendores oligárquicos.

Em processos de nomeação mais visíveis para a sociedade, com mais tempo para o debate e com ampla cobertura de imprensa (ao contrário do que se viu recentemente, na nomeação da ministra Rosa Weber), forçar-se-ia uma maior abertura do Judiciário à sociedade, enfraquecendo o corporativismo.

Uma maior participação cidadã na nomeação de juízes aumentaria o grau de democracia no Judiciário, reduzindo seu teor aristocrático; renderia magistrados com um perfil mais parecido com o de Eliana Calmon, e menos com o de Cezar Peluso.


Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da FGV-SP e colunista convidado do "Valor". Maria Cristina Fernandes volta a escrever em fevereiro.

AUMENTA A MANCHA NA HONRA DO JUDICIÁRIO : Magistrado recebeu cerca de R$ 400 mil; é o quinto caso considerado ‘mais grave’ pela corte

Mais um pagamento milionário a magistrado foi identificado no Tribunal de Justiça de São Paulo, maior corte do País. A informação foi divulgada pela presidência do TJ.

Não foi revelado o nome do contemplado, que recebeu cerca de R$ 400 mil. É o quinto caso dessa natureza localizado desde que a corte se viu acuada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).


"São cinco casos mais graves", declarou o desembargador Ivan Sartori, presidente do TJ paulista, referindo-se aos expedientes que deram amparo à liberação de dinheiro a título de créditos acumulados.

Em dois outros casos, anunciados há duas semanas, dois desembargadores receberam mais de R$ 1 milhão cada, entre eles o desembargador Roberto Bellocchi, ex-presidente do TJ.

"Tivemos alguns créditos anômalos de antecipação de direitos, inclusive férias, que foram pagos parceladamente."


Esses procedimentos relativos a desembolsos de R$ 400 mil a 5 beneficiários foram submetidos na quinta-feira ao Conselho Superior da Magistratura, colegiado que reúne o presidente da corte, o vice, o corregedor-geral e os presidentes de seções.

Na cúpula do tribunal prevaleceu a remessa do assunto ao Órgão Especial - formado por 25 desembargadores, 12 mais antigos, 12 eleitos e o presidente do TJ - para decidir sobre que medidas devem ser adotadas diante de casos excepcionais.

Sartori quer saber minuciosamente como foram autorizados os pagamentos. Ele destacou que, embasado no poder geral de cautela e no estatuto dos funcionários, o Órgão Especial poderá impor a compensação imediata dos valores - na prática, o corte imediato de parcelas a que os magistrados ainda têm a receber.

Ele defendeu enfaticamente os pagamentos ao repudiar tese de que seus pares deveriam entrar na agonia dos precatórios que levam até 20 anos para serem quitados. Disse que na Justiça do Trabalho os direitos são prontamente reconhecidos e clamou. "Porque os juízes não podem receber?

Chegou o tempo de se valorizar a magistratura, é tempo de parar com os ataques à magistratura. Se existem maus elementos aqui vamos extirpa-los. Aqui é um tribunal aberto."


Sartori asseverou que "não houve lesão ao erário, nem à sociedade, porque são créditos devidos aos juízes". Destacou que os pagamentos dessa natureza são comuns em outras instituições. "A Justiça Federal já pagou isso, a própria ministra (Eliana Calmon) já disse isso. Uns recebem mais, outros menos."

Fiscalização. Ele anotou que todos os juízes têm prazo de 30 dias para entregarem cópias de suas declarações de Imposto de Renda. Cerca de 300 magistrados não cumpriram a obrigação. Quem resistir poderá ser alvo de "providências mais drásticas", como a retenção de vencimentos.

"Houve uma certa omissão na fiscalização, mas é desculpável."


Ele rebateu com veemência a divulgação pelo CNJ sobre movimentações atípicas nos tribunais, inclusive o que ele dirige. "Tem que ter mais cuidado antes de divulgar", declarou o desembargador, de posse do relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

"Não há uma única menção ao TJ, mas ao Tribunal de Justiça Militar de São Paulo e a outros."


O Coaf corrigiu a informação, excluindo o Tribunal Militar do rol de suspeitos.

Em nota, Sartori declarou que "fiou-se" nas informações que constam em documentos oficiais. "Que venham os novos dados, serão apurados", reagiu o presidente, ao ser informado que o Coaf divulgou erros em seu relatório.

Estadão

janeiro 12, 2012

O "INCÔMODO" DE MARCO AURELIO - ELIANA CALMON : Coaf indica R$ 855,7 milhões em operações atípicas de juízes e servidores

Um relatório do Coaf (órgão de inteligência financeira do Ministério da Fazenda) revela que 3.426 magistrados e servidores do Judiciário fizeram movimentações consideradas "atípicas" no valor de R$ 855 milhões entre 2000 e 2010.

O documento ressaltou algumas situações consideradas suspeitas, como o fato de três pessoas, duas delas vinculadas ao Tribunal da Justiça Militar de São Paulo e uma do Tribunal de Justiça da Bahia, terem movimentado R$ 116,5 milhões em um único ano, 2008.

Segundo o relatório, 81,7% das comunicações consideradas atípicas estão concentradas no Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (Rio de Janeiro), Tribunal de Justiça da Bahia e o Tribunal de Justiça Militar de São Paulo.

Sem apontar nomes ou separar entre servidores e juízes, os dados também mostram que ocorreram depósitos, em espécie, no total de R$ 77,1 milhões realizados nas contas dessas pessoas.

O documento de 13 páginas, ao qual a Folha teve acesso, foi encaminhado na tarde desta quinta-feira ao STF (Supremo Tribunal Federal) pela corregedora do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), Eliana Calmon. Ela disse ao STF não ter havido quebra de sigilo para se chegar às informações.

"Atipicidade" nas movimentações não significa crime ou irregularidade, mas apenas que aquela operação financeira fugiu aos padrões da norma bancária e do sistema nacional de prevenção à lavagem de dinheiro.

O Coaf apurou uma relação de 216 mil servidores do Poder Judiciário. Deste universo, 5.160 pessoas figuraram em 18.437 comunicações de operações financeiras encaminhadas ao Coaf por diversos setores econômicos, como bancos e cartórios de registro de imóveis.

As comunicações representaram R$ 9,48 bilhões, entre 2000 e novembro de 2010. O Coaf considerou que a maioria deste valor tem explicação plausível, como empréstimos efetuados ou pagos.

Dos R$ 855 milhões considerados "atípicos" pelo Coaf, o ápice ocorreu em 2002, quando "uma pessoa relacionada ao Tribunal Regional do Trabalho da 1a Região", no Rio de Janeiro, movimentou R$ 282,9 milhões.

Em 2010, R$ 34,2 milhões integraram operações consideradas suspeitas.

RUBENS VALENTE, DE BRASÍLIA - FOLHA.COM

O (P) ARTIDO (T) ORPE E A nova vanguarda do atraso

O desempenho da economia brasileira em 2011 foi modesto:
o PIB cresceu menos de 3%, a segunda pior performance desde 2004. O freio da economia foi a indústria de transformação, que permaneceu estagnada.


A produção de bens de consumo durável declinou quase 2%.
Pior foi o caso dos não duráveis:
no ramo têxtil, a produção caiu 15%;
em calçados e artigos de couro, -10%;
no vestuário, -3,3%.

De fato, o setor industrial anda de lado, ou, dependendo de onde, para trás. Até hoje não retomou o nível de produção anterior à crise de 2008-2009.


O leitor pode perguntar-se:
como é possível isso, se o consumo nos últimos anos aumentou tão rapidamente?
Desde 2007 as vendas a varejo cresceram perto de 40% reais; em 2011, 5%.


A resposta é simples:
crescem vertiginosamente as importações de produtos manufaturados. O déficit da balança comercial da indústria de transformação em 2011 (janeiro/novembro) cresceu 37% em relação a 2010, chegando a US$ 44 bilhões!

Em 2006 a balança era superavitária em US$ 30 bilhões.

Assim, boa parte dos empregos gerados pela febre de consumo dos últimos anos foi para o exterior.


Há uma desindustrialização em marcha no Brasil. Além do encolhimento do setor em relação ao PIB (faz mais de uma década), há uma desintegração crescente de cadeias produtivas, tornando algumas atividades industriais parecidas com as "maquiadoras" mexicanas.

Mas atenção! Os produtos manufaturados que importamos não são mais baratos e os que exportamos, mais caros porque a indústria brasileira seja mais ineficiente que a chinesa ou a coreana, embora, pouco a pouco, num círculo vicioso, isso possa ocorrer.

A explicação principal é o elevado custo sistêmico da economia brasileira.


Primeiro, a carga elevada e distorcida de impostos sobre a indústria. Um exemplo simples: de cada R$ 1 do custo do kw de energia elétrica, R$ 0,52 vão para tributos e encargos setoriais!

Segundo, a péssima infraestrutura.
O governo federal destina pouco para investir e investe pouco daquilo que destina, em razão de falta de planejamento, prioridades e capacidade executiva.

O País realiza um dos menores investimentos públicos do mundo como fração do PIB.

Mais ainda, por causa desses fatores, acrescidos de populismo e preconceitos, os governos do PT não conseguiram fazer parcerias amplas com o setor privado na infraestrutura.


Há uma terceira condição decisiva para a desindustrialização:
a persistente sobrevalorização da moeda brasileira ante as moedas estrangeiras - cerca de 70% desde 2002, segundo estimativa de Armando Castelar. Isso aumenta fortemente os custos brasileiros de produção em dólares, dos salários à energia elétrica.


Isoladamente, a sobrevalorização é o fator mais importante que barateia nossas importações e encarece as exportações de manufaturados. Levá-la em conta ajuda a compreender por que temos o Big Mac mais caro do mundo e os nossos turistas em Nova York, embora em menor número que os alemães e os ingleses, gastam mais do que estes dois somados.

Economistas e jornalistas de fora do governo falam contra a ideia de existir uma política específica para a indústria. Opõem-se à teoria e à prática de uma política industrial, que, segundo eles, geraria distorções e injustiças.

Já o pessoal do governo e seus economistas falam enfaticamente a favor da necessidade e da prática de política industrial.
Nessa discussão se gastam papel, tempo de TV a cabo e horas de palestras.


É uma polêmica interessante, mas surrealista, pois não existe de fato uma política econômica abrangente e coerente, de médio e de longo prazos, que enfrente as causas da perda de competitividade da indústria.

O programa Brasil Maior?
Faltam envergadura e capacidade de implantação, sobram distorções.

E a anarquia da política de compras de máquinas e equipamentos para a área do petróleo ou a confusão dos critérios de crédito subsidiado do BNDES, têm alguma racionalidade em termos uma política industrial? Nenhuma!


Alguém poderia questionar:
"E daí? Qual é o problema de o Brasil se desindustrializar? Temos agricultura pujante, comércio próspero e outros serviços se expandindo. Tudo isso gera empregos e renda. Devemos seguir comprando mais e mais produtos industriais lá fora, pois dispomos dos dólares para tanto: vendemos minérios e alimentos e recebemos muitos investimentos externos".


Desde logo, nada contra sermos grandes exportadores de produtos agrominerais.
Os EUA fizeram isso no século 19 e em boa parte do século 20 e ainda viraram a maior potência industrial do planeta, expandindo ao máximo a exportação de manufaturas.

A riqueza em commodities não é a causa necessária de retrocesso industrial. Pode, sim, ser fator de avanço. O retrocesso só existe porque os frutos dessa riqueza não estão sendo utilizados com sensatez e descortino.


Ao se desindustrializar, o País está perdendo a sua maior conquista econômica do século 20.

Estamos a regredir bravamente à economia primário-exportadora do século 19; a médio e a longo prazos, esse modelo é vulnerável no seu dinamismo, por ser muito dependente do centro (hoje asiático) da economia mundial.

Os países com desenvolvimento brilhante têm sido puxados pela indústria, setor que é o lugar geométrico do progresso tecnológico e da geração dos melhores empregos em relação à média da economia.


O Brasil tem 190 milhões de habitantes, a 77.ª renda per capita e o 84.º IDH do mundo. É preciso ter claro: sua economia continental não proporcionará a renda e os milhões de empregos de qualidade que o progresso social requer tendo como eixo dinâmico o consumo das receitas de exportação de commodities.

A indagação retórica que fiz acima envolve um conceito que tornaria o futuro da economia brasileira vítima de um presente de leniência e indecisão.
Conceito que pauta, de fato, o lulopetismo.

É que um marketing competente consegue dar uma roupagem moderna a essa nova vanguarda do atraso.

José Serra O Estado de S. Paulo

CANALHICE : DEPOIS DA TEMPESTADE, A ENXURRADA DE DINHEIRO - O MINISTRO, O SORRISO... E A DOR



A tristeza no rosto das pessoas que acompanhavam ontem o cortejo fúnebre pelas ruas inundadas da histórica Tiradentes (MG) contrastava com a alegria, em Brasília, do ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra Coelho.

Responsável por parte do dinheiro que deveria ser usado em obras antienchentes país afora, o ministro privilegiou Pernambuco, seu estado natal, com 90% das verbas liberadas.

Nos últimos três dias, sob uma enxurrada de denúncias e fortes pressões políticas, ele fechou contratos que destinam R$ 27milhões a municípios de Minas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Maranhão, Paraíba e Piauí.

Na Casa Civil, o governo anunciou ontem a liberação de mais R$ 75 milhões. Valores que parecem pouco diante de tantos estragos

Turbilhão de denúncias e pressões políticas levam o ministro Fernando Bezerra a acelerar a assinatura de convênios com municípios castigados pelas chuvas. Integração Nacional fechou R$ 27 milhões em contratos desde segunda-feira

Em meio às chuvas de janeiro e às denúncias de favorecimento ao seu estado natal com 90% das verbas da Integração Nacional, o ministro Fernando Bezerra se viu obrigado a abrir o cofre da pasta para projetos de todo o país, como resposta às pressões políticas que sofre. Nos últimos três dias, o ministério fechou convênios de R$ 27 milhões com prefeituras de Minas Gerais,
Mato Grosso,
Mato Grosso do Sul,
Goiás,
Maranhão,
Paraíba e Piauí.

Os contratos são destinados a projetos de canalização de córregos, dragagem, drenagem de águas pluviais e obras de infraestrutura que integram a lista de prioridades dos municípios.

Desde segunda-feira, Minas Gerais foi contemplado com convênios para três municípios. O ministério anunciou convênio de R$ 6,9 milhões com o município de Jenipapo de Minas, para o plano de remanejamento e reassentamento de populações residentes em área de barragem.

Porteirinha, por sua vez, ganhou convênio de R$ 292 mil para recuperar 10km de estradas. Em Pirapora, a vazão da torneira do recursos ainda é modesta, apenas um convênio de R$ 58,5 mil foi assinado para a recuperação de estradas do perímetro rural. Enquanto isso, no município, a prefeitura decretou estado de emergência.

No Centro-Oeste, Goiás e Mato Grosso do Sul são os estados que mais conseguiram recursos do Ministério da Integração Nacional depois de Bezerra ter entrado no meio do furacão da crise política. Itumbiara (GO) fechou convênio de R$ 1,3 milhão para a canalização do Córrego das Pombas.

No Entorno, Cidade Ocidental (GO) vai receber R$ 200 mil para drenagem de águas pluviais.

O Ministério da Integração Nacional também esperou o período de chuvas para liberar R$ 1 milhão, em caráter de urgência, para a contenção da erosão gigante que não para de se expandir em Planaltina de Goiás, a 58km da parte central de Brasília.

As primeiras casas foram engolidas pela erosão em janeiro do ano passado, mês em que a prefeitura da cidade pediu ajuda ao ministério. Um convênio entre o município e a pasta só foi assinado 10 meses depois, em 28 de novembro, no valor de R$ 4 milhões. Até agora, apenas R$ 1 milhão foram efetivamente liberados.

O dinheiro está parado na conta aberta para a execução do convênio e não há qualquer expectativa para a liberação "emergencial" dos R$ 3 milhões restantes. A erosão de mais de 2km ameaça dezenas de casas no Setor Oeste. Quinze já foram tragadas pela cratera e moradores precisaram deixar outros imóveis por causa dos riscos de desabamento. Há trechos com 50m de profundidade e 50m de largura.

Subsídios
Ontem, após reunião na Casa Civil, os ministros que coordenam as ações de enfrentamento às chuvas anunciaram a liberação de R$ 75 milhões para os três estados mais atingidos nos últimos dias.

A verba está prevista na Medida Provisória nº 553, do final de dezembro, que foi reaberta e concede R$ 482 milhões para os ministérios da Integração Nacional e de Ciência e Tecnologia.

O dinheiro subsidiará despesas com mantimentos, abrigos, pagamento de aluguel social e combustível, entre outras ações necessárias ao restabelecimento das cidades.

Minas Gerais, o estado mais afetado, receberá R$ 30 milhões. Rio de Janeiro e Espírito Santo terão direito, respectivamente, a R$ 25 milhões e R$ 20 milhões. Os recursos só não serão repassados imediatamente porque será enviado por meio do cartão de pagamento da Defesa Civil, que tem acompanhamento on-line pelo Portal da Transparência.

Para receber o dinheiro, os estados e municípios terão de criar conta bancária e CNPJ específicos, o que deve fazer com que o dinheiro só chegue de fato na próxima semana.

O presidente da Confederação Nacional de Municípios, Paulo Ziulkoski, reclamou dos critérios políticos para a liberação de recursos.

"É uma realidade constante. O que é prometido não é cumprido. O anúncio da liberação é bombástico, quando olha a execução é de 20%. Se o ministério está assinando convênio, é um orientação do governo."

Vinicius Sassine » Juliana Braga Correio Braziliense

janeiro 11, 2012

O PUXADINHO NO FGTS


O governo tem um fundão bilionário na mão e trata seus correntistas com a malvadeza de um usurário digna da época medieval.

O FGTS serve bem a privilegiados, mas atende mal quem é seu efetivo detentor:
o trabalhador brasileiro.
A nova linha de financiamento para material de construção anunciada ontem é um destes presentes de grego.

O Conselho Curador do FGTS aprovou linha de crédito especial para a compra de material de construção, com foco na classe média. Quem tomar emprestado até R$ 20 mil terá juros de 12% ao ano e 120 meses para pagar.

Serão disponibilizados R$ 300 milhões, podendo chegar a R$ 1 bilhão conforme a demanda.

À primeira vista, parece um excelente negócio para o trabalhador. Olhando pelas condições praticadas pelos bancões comerciais, é mesmo: a taxa oficial equivalerá à metade do que o mercado oferece, em média.

Mas a conclusão positiva só seria válida se o dinheiro financiado não pertencesse ao próprio tomador do empréstimo.

Sob este prisma, o trabalhador vai é pagar caro por um dinheiro que é seu e é remunerado a taxas bem menores do que os juros que lhe serão cobrados no financiamento.

É como se alguém tivesse R$ 20 mil aplicados num fundo de investimentos e recorresse a um banco para pegar os mesmos R$ 20 mil pagando pelo empréstimo o triplo do que recebe para manter seu dinheiro investido.

No ano passado, os depósitos no FGTS renderam 4,2%. Neste ano, com perspectiva de alguma melhora na inflação, e consequentemente de queda na taxa referencial (TR), a remuneração deve ser ainda menor.

Os 12% que o governo oferece são um negócio da China... para os bancos.

Os cotistas do FGTS são obrigados a deixar seu dinheiro depositado em suas contas vinculadas. Só podem sacar em condições especiais, como demissão sem justa causa, doença grave, aposentadoria e aquisição de casa própria.

Como regra, a grana do FGTS fica guardada na Caixa, remunerada à exuberante taxa de 3% ao ano mais TR. É o pior negócio do mercado. Não é surpresa que o rendimento do dinheiro do trabalhador apanhe, recorrentemente, da inflação: aconteceu de novo no ano passado, quando o custo de vida foi de 6,5% e o fundo rendeu pouco mais de 4%.

Entre 2002 e 2010 as perdas geradas pelo descompasso entre a remuneração do FGTS e a inflação chegavam a R$ 72,7 bilhões, segundo o Instituto FGTS Fácil.

Por isso, há várias propostas para melhorar o rendimento do fundo, dinheiro que, frise-se, pertence ao trabalhador e não ao governo.

Uma delas é permitir que os cotistas apropriem-se de metade do lucro gerado pelas operações financeiras feitas com os recursos do FGTS.

Outra é alterar o indexador das contas, trocando a miúda TR por um índice de inflação, o que pelo menos as protegeria da corrosão de que são vítimas mensalmente. A equipe econômica do PT é contra ambas.

Mas o melhor mesmo seria que o trabalhador pudesse dispor como bem entendesse de um dinheiro que é seu.

Hoje sua renda é expropriada em favor de quem tem acesso privilegiado às linhas de financiamento baratas custeadas pelos recursos do FGTS. Perde o trabalhador, ganham os amigos do rei.

O economista Pérsio Arida tem sugerido que os financiamentos feitos com dinheiro do FGTS sejam emprestados a taxas de mercado, repassando o ganho da remuneração para o trabalhador.

Em entrevista concedida ao Valor Econômico em dezembro, ele fez as contas:
"Um real depositado em uma conta do FGTS em 1994, quando o Plano Real foi lançado, vale hoje R$ 4,12. O mesmo R$ 1 aplicado no CDI (Certificado de Depósito Interbancário) valeria R$ 21,40 [líquido de impostos]. Ou seja, a rentabilidade acumulada de mercado foi mais de cinco vezes a rentabilidade do FGTS".

Se quer tratar melhor o trabalhador, seja ele de que classe for, o governo deveria começar a examinar propostas mais sérias de aproveitamento dos bilionários recursos do FGTS.

Só ações ousadas têm capacidade de mudar profundamente a realidade e alterar para muito melhor as perspectivas econômicas do país.

Remendos só servirão como puxadinhos.

Fonte: Instituto Teotônio Vilela

UMA ESTRELA GUIA PARA 2012 : Um início de ano desafiador

O primeiro trimestre de 2012 começa particularmente desafiador para o governo Dilma Rousseff. Três fatos espinhosos concorrem na área econômica para um início de ano tenso em Brasília.

São eles:

já nos próximos dias, o Banco Central (BC) pode confirmar sinalização, feita no fim de 2011, de que o ciclo de corte da taxa básica de juros (Selic) terminará mais cedo do que se esperava;
a equipe econômica prepara contingenciamento de despesas orçamentárias que deve ficar entre R$ 60 bilhões e R$ 70 bilhões;
o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelará à nação que, no ano passado, o Produto Interno Bruto (PIB) pode ter crescido abaixo de 3%, o pior resultado em oito anos (excetuando-se, da comparação, a queda de 0,33% de 2009, ano da crise mundial).

2012 começa a ser delineado na próxima semana, quando ocorrerá a primeira reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do ano. Se nada for dito até lá, o Comitê deve promover mais um corte, o quarto consecutivo, de 50 pontos-base (0,5 ponto percentual) na taxa de juros, reduzindo-a de 11% para 10,5% ao ano.

Ao divulgar o último relatório trimestral de inflação (RI), em dezembro, o BC deu sinais, entretanto, de que interromperá o ciclo de alívio monetário antes do que esperavam governo e mercado.

Desde o último trimestre, a expectativa era a de que o Copom reduziria a taxa Selic para 9,5% ou 9% ao ano até meados de 2012. Agora, o orçamento total do corte de juros iniciado em agosto pode ficar em 250 ou 275 pontos-base (visão mais otimista), o que levaria a Selic para 10% ou, no máximo, 9,75% ao ano.

É possível que, já no comunicado do encontro da próxima semana ou na ata a ser divulgada no dia 26, o Comitê dê novas indicações sobre a diminuição do ritmo de queda dos juros.

Está claro que o Banco Central tentou, com o RI, corrigir um certo exagero do mercado na chamada "precificação" da queda da Selic.


Surpresos, alguns operadores consideraram a nova sinalização um verdadeiro cavalo de pau, o que é um exagero.

O Copom pode começar a colocar em prática a nova estratégia na reunião do dia 7 de março. Não será uma semana fácil. Dias antes, no fim de fevereiro, o governo deve anunciar um megacorte no Orçamento Geral da União de 2012, superior ao do ano passado, que foi de R$ 50,6 bilhões.

Contenção de gastos públicos sempre provoca desgaste político. Funcionários públicos ficam sem reajuste salarial, obras públicas deixam de ser feitas e programas governamentais não saem do papel.

Em 2012, há um agravante. Como alertou o colunista Ribamar Oliveira, do Valor, despesas subestimadas no Orçamento aprovado pelo Congresso e arrecadação de tributos federais em processo de desaceleração desde o último trimestre devem obrigar o governo a promover um corte maior nos gastos.

O objetivo é permitir que o setor público cumpra, a exemplo de 2011, a meta cheia de superávit primário (algo como 3% ou 3,1% do PIB, excluído dessa conta o pagamento de juros da dívida).

O esforço fiscal tem dois propósitos:
ajudar a controlar a demanda agregada da economia e, desta forma, a evolução da inflação; e reduzir a dívida pública como proporção do PIB.


Em agosto, quando aumentou a meta de superávit primário em R$ 10 bilhões, e o BC iniciou o processo de queda dos juros, o governo deixou claro que estava mudando o mix de política econômica - a ênfase pró-crescimento viria agora da taxa de juros e não mais dos gastos públicos, como ocorreu em 2009/2010.

O BC, de fato, conta com o cumprimento da meta cheia de superávit.
Como deixou claro no RI de dezembro, considera que um ajuste baseado em corte de despesas governamentais é mais eficaz para o controle da inflação do que um promovido por meio de aumento de receitas.

Um experiente economista ouvido por esta coluna calcula que, se a meta de superávit caísse para 2,5% do PIB, por exemplo, o Copom teria que, em vez de reduzir, elevar os juros (para 12,5% ao ano até o fim de 2012), o que seria um retrocesso.


O problema é que, ao promover novo corte de despesas, o Palácio do Planalto espera que o BC siga com a política de redução dos juros, o que pode não ocorrer mais, pelo menos não na extensão esperada pelo governo.

No calendário político, o risco é justamente o BC se tornar mais conservador na política monetária no momento em que o governo anunciar o contingenciamento de despesas.

Para completar um ambiente que já poderá estar exacerbado, em 6 março, um dia antes da segunda reunião do Copom em 2012, o IBGE divulgará o resultado das contas nacionais. Os mais realistas dentro do governo esperam um resultado magro do PIB em 2011 - crescimento de 3% ou menos.

Evidentemente, haverá exploração política por parte da oposição e desassossego nas hostes do PT, o partido da presidente, em pleno ano eleitoral.

A dúvida é saber como a presidente Dilma enfrentará esse quadro. Pelo que demonstrou até agora e do alto de níveis recordes de popularidade - nem o presidente Lula foi tão popular no início de seus dois mandatos -, há uma chance razoável de ela manter o rumo definido.

O mercado desconfia do compromisso com a meta cheia de superávit, mas é bom lembrar que fez isso também no ano que passou e errou.


O Banco Central, por seu turno, dá sinais de que vai priorizar o combate à carestia daqui em diante, depois de dois anos de inflação alta, bem acima da meta de 4,5% - 5,9% em 2010 e 6,5% em 2011. Um dos indícios disso é que voltou a privilegiar seus modelos econométricos tradicionais, dando mais transparência à sua ação.

Justamente por causa dessa postura mais cautelosa do BC, não vai demorar muito para pipocar, dentro e fora do governo, uma forte pressão sobre o presidente da instituição, Alexandre Tombini.

Graças às incertezas da economia mundial, o cenário, evidentemente, pode se alterar nas próximas semanas e meses. O BC trabalha com um ambiente em que a situação econômica da Europa é ruim, mas não piora em demasia, ou seja, não se espera a quebra de bancos ou o calote de governos.

Se ocorrer um evento, tudo muda e, aí, a depender do impacto sobre o Brasil, abre-se um novo espaço para redução dos juros. Este não é, contudo, o cenário central neste momento.

Cristiano Romero Valor Econômico
Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras

MAMULENGA E NADA E COISA NENHUMA, AQUI, SEMPRE FOI "DEFINIDA" : Dilma falhou no que se dizia melhor


Apagões pequenos,
médios e grandes, do Oiapoque ao Chuí;
epidemia grave de dengue;
mortes novamente por catástrofes da natureza esperadas mas não prevenidas por governos municipais, estaduais e sobretudo federal, a quem compete muito;
caos aéreo persistente, resultado de incipientes medidas;
erros repetidos na administração da Educação;
baixa execução de PACs I ou II;
reforma agrária sem resultados;
invisível avanço em desempenho na área de segurança.


Problemas, esses e muitos outros, do primeiro ano do governo Dilma, todos, de gestão.


A presidente da República gastou seis meses iniciais na montagem do governo e os seis meses finais na desmontagem. Perdeu, na tessitura, dois pilares, Antonio Palocci, chefe da Casa Civil, e Nelson Jobim, ministro da Defesa, dois mais importantes colaboradores.

Titubeou, demorou, negaceou, até trocar ministros política e administrativamente inviabilizados nos cargos, levando o governo à paralisia. Quando tomou providências o fez de forma acanhada - pois ainda há áreas no vácuo -, e já era o fim da primeira etapa.


Isso não influiu na popularidade, na capacidade de reeleição, no apoio popular, como citam governistas profissionais, a provar que a aceitação é prova de que o governo foi bom. Não se pode dizer, porém, para o bem do realismo, que se o mau governo não atingiu o voto, não existiu.

Com altos índices de aprovação no último Ibope do ano, maior até que seus antecessores no mesmo período, Dilma seria reeleita gloriosamente se o pleito fosse hoje.

Mas não poderá dizer que recebeu, para isso, contribuição decisiva de sua performance de gestora, fama que adquiriu já na equipe de transição do governo Lula, antes até de ser ministra.


O governo começa o segundo ano no mesmo ponto que começou o primeiro: tendo que ser remontado, exigindo nomeação de ministros que possam ter competência para executar programas que a presidente venha a apontar como seu projeto de Brasil.

Em janeiro de 2012 estão todos no ponto do janeiro de 2011:
à espera de que ela diga a que veio e para onde vai.


Dilma terminou em empate, inclusive, no quesito de preservação da democracia e das instituições, ainda necessitadas de cuidados especiais no Brasil.

Para cada avanço, houve um retrocesso.

Iniciativas como a criação da Comissão da Verdade, ou mudanças dos princípios de política externa para preservar o respeito aos direitos humanos, por exemplo, tiveram seu contraponto na censura a programas de TV e peças de propaganda ensaiadas sem pudores pela ministra da Mulher, Iriny Lopes, e na pressão do partido presidencial, o PT, para que promova o controle da imprensa.

Houve outras ameaças que não chegaram a configurar risco real, mas promessas de autoritarismo, como o abuso do governo por medidas provisórias, o que anula o contraditório do Congresso, e renovadas tentativas de eliminar controles do Tribunal de Contas da União.


A timidez administrativa da presidente inibiu até mesmo o grupo criado para ajudá-la a romper o imobilismo da gestão do Estado, a Comissão de Gestão Pública. Jorge Gerdau, empresário coordenador do grupo que levaria para o governo os instrumentos modernos de administração na iniciativa privada, não logrou resultados.

O grupo não deu respostas sobre como melhorar a gestão de áreas de administração difícil e, às vezes, dramática, como a da saúde e, principalmente, dos hospitais públicos.

Nem da educação, uma gestão perdida entre erros administrativos repetidos, por exemplo, na aplicação de exames nacionais, e equívocos da política universitária expansionista que criou instituições fantasmas pelo interior afora.


O problema é que esses setores de gestão em colapso têm se tornado numerosos, a eles se somando a segurança, o combate ao uso de drogas, a prevenção de desastres ambientais, o abastecimento de energia.

A oposição, se disse neste espaço ao fim de 2011, foi um fracasso retumbante no ano em que deveria se renovar e reafirmar um projeto alternativo para o eleitorado. O governo não ficou à frente, embora, ao contrário da oposição, que nem número teve, contasse com os instrumentos para fazer e acontecer.

O ministério foi formado para atender ao projeto do ex-presidente Lula de preparar candidatos de cara nova para o PT disputar eleições municipais e estaduais.

Deu errado no federal, e pode continuar nessa má trilha a julgar-se pelas especulações que cercam a substituição dos ministros candidatos.

A troca de Fernando Haddad por Aloizio Mercadante - e não vai aqui nenhum lobby das corporações que lotearam o MEC a favor do secretário-executivo (Henrique Paim) e candidato preferencial de Haddad - continua dentro do projeto de formação de candidatos do PT a eleições traçado por Lula.


As corporações, que governam por intermédio de conferências, ONGs e greves, por sinal, tomaram mais de uma das áreas fundamentais para o sucesso do projeto deste governo.

Na saúde tentou-se estabelecer base de alguns programas novos, voltados para a classe média, segundo orientação expressa da presidente, mas foi incipiente. Exemplo de fim de linha nesse setor acontece na porta do governo federal.

Brasília, governada pelo PT, que tem na saúde o problema mais grave entre tantos, continua mergulhada na incompetência e falta de perspectiva de soluções. A última do governador Agnelo Queiroz foi criar o ciclo-socorro, as "bikelâncias" que, como o nome indica, são isso mesmo, ambulâncias em bicicleta.

Não se tem notícia de reações de perplexidade, terror ou providências no Ministério da Saúde.


O governo parece amarrado, impedido. Com esse fraco e pouco criativo desempenho, Dilma está no topo das pesquisas de popularidade, apoio e aceitação do eleitorado, repetem como um mantra seus acólitos.

O ex-presidente Lula já disse, nos idos do pós-mensalão, que um governo começa mesmo no terceiro ano, portanto, esse início não conta. O pior dos mundos será a marquetagem convencer Dilma da desnecessidade de reações firmes neste segundo ano.


Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

DA FICÇÃO "GERENTONA /FRENÉTICA/EXTRAORDINÁRIA PARA A "RAPADURA É DOCE MAS É DURA : Confiança do comércio caiu 6,8% no quarto trimestre.

No mato e sem cachorro :
No brasil maravilha e o "seguir mudando", a "dotôra", está se revelando ser frenética e extraordiária em produzir resultados "piores de séries históricas".



Segundo FGV, resultado foi o pior desde o início da série histórica, iniciada em maio do ano passado


O fim de ano, período de tradicional otimismo no comércio, foi de desânimo para os empresários do setor, segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV). A queda do Índice de Confiança do Comércio (Icom) se acelerou no último trimestre de 2011, na comparação com o mesmo período de 2010.

O indicador passou de 137,9 pontos para 128,4 pontos, recuo de 6,8% - o pior resultado da série histórica, iniciada em maio passado. No trimestre encerrado em novembro de 2011, o índice havia caído 4,5%, também na comparação com o mesmo período de 2010.


As âncoras da queda, segundo a FGV, foram o atacado (7%) e o varejo ampliado (6,7%), no qual o destaque negativo foi a venda de veículos
(13,9%). O principal motivo para a redução da confiança, segundo o presidente da Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas, Roque Pellizzaro Júnior, foi a inflação, que corroeu os recursos do consumo.

- O comércio vinha perdendo aceleração desde o inicio do ano. Fechamos o ano com resultado positivo, mas muito aquém do esperado. Ficamos mal acostumados com taxas de crescimento chinesas - afirmou.

A percepção dos empresários é desfavorável para o presente e o futuro imediato. Segundo a FGV, o Índice da Situação Atual ficou 9,7% abaixo do registrado em igual período de 2010 - maior queda desde maio passado.

Outra :
A inadimplência dos consumidores brasileiros aumentou 21,5% em 2011 na comparação com o ano anterior. Esse foi o maior crescimento visto desde 2002, quando houve alta de 24,7%, segundo dados divulgados ontem pela Serasa Experian.

Se considerado apenas o último mês do ano passado, o indicador subiu 13,1% ante dezembro de 2010. Já frente a novembro, houve uma queda de 2,5%.

"O aumento da inflação, que reduziu o rendimento do trabalhador, e os juros ainda elevados afetaram a capacidade de pagamento do consumidor diante de um endividamento crescente em 2011", afirmaram os economistas da entidade em nota.

A Serasa Experian acrescentou que esse endividamento, de médio e longo prazos, se mantém desde 2010, quando as condições de crédito e orçamento do consumidor foram mais favoráveis do que em 2011.

O maior peso no índice veio das dívidas com bancos, cujo valor médio no ano passado foi de R$1.302,12. Na sequência, ficaram as dívidas não bancárias (cartões de crédito, financeiras, lojas em geral e prestadoras de serviços), com valor médio de R$320,63.

Embora o nível de inadimplência tenha avançado, os valores médios dos dois componentes diminuiu ano a ano, em 0,7% e 17,3%, respectivamente.

Por outro lado, os títulos protestados responderam pelo maior aumento no valor médio das dívidas, de 16%, para R$1.372,86, seguidos por cheques sem fundos, que tiveram valor médio de R$1.359,19, alta de 8,4% sobre 2010

Marcio Beck O Globo