"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

outubro 08, 2013

O Pibinho e a Pnadona


Consta que o general Médici, então ocupando a Presidência do país, teria dito, no auge do chamado milagre econômico do regime militar, que "a economia vai bem, mas o povo vai mal" A frase me inspirou a criar, em 1974, a fábula sobre o reino da Belíndia, uma ilha em que poucos bel­gas eram cercados de muitos indianos.

Recente­mente, economistas do governo, preocupados com a sequência de "pibinhos" acompanhados de elevada inflação, resolveram partir para a lu­ta e proclamar que "a economia vai mal, mas o povo vai bem" Marcelo Neri tem dado entrevis­tas dizendo que Belíndia agora tem novo signi­ficado: a renda de nossos "belgas" cresce pouco como a dos europeus, mas a renda de nossos "indianos" cresce igual à dos chineses.

Será que o Brasil mudou tanto assim, e deixou de ser uma Belíndia para se tornar uma Indiabela?

Antes fosse. A realidade é que desde 198
0 o país está parado no meio do caminho, incapaz de sair da renda média para se tornar um país rico. A distribuição da renda melhorou a partir da estabilização em 1994 e especialmente nos anos da bonança externa da década passada. Mas essa melhora só foi suficiente para o Brasil deixar de ser o país com a pior distribuição de renda do mundo e continuar no grupo dos paí­ses mais desiguais do planeta.

Marcelo Neri, em artigo no GLOBO (4 de ou­tubro), se entusiasma com o resultado da Pes­quisa Nacional por Amostra de Domicílios(Pnad) de 2012, segundo a qual o crescimento da renda por brasileiro teria sido de 8% de 2011 a 2012, um número maior do que o da China. O contraste com o PIB per capita não poderia ser maior, pois este aumentou apenas 0,1% de 2011 a 2012.

Como pode o PIB per capita ter se estagnado e a renda per capita na Pnad ter crescido tanto assim?

Neri não explica. Apenas assevera que enten­der o Brasil não é tarefa para amadores e man­tém seu otimismo de que em 2013 haverá uma alta na felicidade geral da nação. Euforia minis­terial à parte, parece melhor adotar uma atitude mais cautelosa. 

Caberia, antes de tudo, entender por que os dados da Pnad destoam tanto daqueles do PIB. Tarefa para profissionais, diria o Neri! Infeliz­mente, os profissionais andam batendo cabeça a respeito desse assunto. Alguns acham que o PIB está subestimado. Outros acham que se tra­ta de conceitos distintos de renda real, pois a renda da Pnad é corrigida pela inflação (INPC) e o PIB é corrigido pelo chamado deflator implí­cito. Outros notam que o PIB é um conceito

muito mais amplo que a renda das famílias na Pnad e que a comparação deveria ser feita, não com o PIB, mas com o consumo das famílias nas contas nacionais. Outros salientam que a Pnad apenas pergunta às pessoas qual foi sua renda em setembro de cada ano, enquanto que o PIB engloba uma massa muito maior de informa­ções e cobre o ano inteiro.

Há, finalmente, a questão do salário mínimo, cujo valor real vem sendo reajustado bem acima da inflação há alguns anos. É possível que a ren­da reportada pelas pessoas à Pnad seja muito influenciada pelo valor do mínimo legal e supe­re os ganhos financeiros que elas de fato aufe­rem, especialmente quando transitam da infor­malidade para a formalidade. A evidência de o consumo das famílias nas contas nacionais não acompanhar o crescimento da renda da Pnad seria um indício dessa superestimação.

Enquanto os economistas debatem as respos­tas para o dilema PIB x Pnad, é bom lembrar que o PIB retrata o potencial de produção do país. Se o PIB se mantiver estagnado, mais cedo ou mais tarde toda a população sofrerá. 
 Durante algum tempo, especialmente num país tão desigual quanto o nosso, é possível elevar a renda dos mais pobres através de taxação e transferências, por exemplo.

Isso é válido, mas não é sustentá­vel.
O Brasil precisa encontrar um caminho em que a distribuição de renda se alie ao crescimen­to, algo que ainda não conseguimos. 

 Edmar Bacha O Globo

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