"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

outubro 28, 2013

E NA REPÚBLICA DE TORPES... Pornopolítica e black bloc

A História mundial está repleta de exemplos inspira­dores. E a saga brasileira, tam­bém. Os defeitos pessoais e as limitações huma­nas dos homens públicos, inevi­táveis e recorrentes como as chuvas de verão, não matavam a política. 
Hoje, no entanto, as­sistimos ao advento da pornopolítica. 
A vida pública, com ra­ras e contadas exceções, trans­formou-se num espaço mafioso, numa avenida transitada por governantes corruptos, po­líticos cínicos e gangues espe­cializadas no assalto ao dinhei­ro público.

O custo humano e social da corrupção brasileira é assusta­dor. 
O dinheiro que desaparece no ralo da delinquência é uma tremenda injustiça, uma bofeta­da na cidadania, um câncer que, aos poucos e insidiosamente, vai minando a República. As ins­tituições perdem credibilidade numa velocidade assustadora. Os protestos que tomam conta das cidades precisam ser inter­pretados à luz da corrupção epi­dêmica, da impunidade cínica e da incompetência absoluta da gestão pública.
A violência "black bloc", equivocadamente, visa a chamar a atenção de um Estado ausente. É a conclusão a que chegaram os pesquisadores Esther Solano, professora de Relações In­ternacionais da Unifesp, e Ra­fael Alcadipani, professor de Es­tudos Organizacionais da FGV- Eaesp, em recente matéria espe­cial para o jornal Folha de S.Pau­lo. A pesquisa consistiu em acompanhar de perto as mani­festações, observar, perguntar, conversar com pessoas que utilizam a tática "black bloc", poli­ciais e membros da imprensa. O universo "black bloc" é compos­to por jovens que estão na faixa etária entre 17 e 25 anos. São de classe média baixa, a maioria tra­balha, alguns são formados ou estão se formando em universi­dades particulares.

Das conversas que tiveram e das observações que realiza­ram ficou claro que para esses jovens a violência simbólica funciona como uma forma de se expressarem socialmente, um elemento provocador que tem o intuito de captar a aten­ção de um Estado percebido co­mo totalmente ausente. O uso da violência simbólica também serve, na versão deles, para in­duzir a sociedade a refletir so­bre a necessidade de uma mu­dança sistêmica: 
"Protesto pací­fico não adianta nada, só com violência é que o governo enxer­ga nossa revolta". A intenção é transgredir, incomodar, deixar visibilidade, chamar para um debate. Exemplos de frases que retratam isso são: 
"A causa de o Black Block agir é o descaso pú­blico. As pessoas estão sendo torturadas psicologicamente pelo cotidiano, não somos vân­dalos, vândalo é o Estado, que deixa as pessoas horas esperan­do na fila do SUS".

A pesquisa cumpriu um papel importante: 
procurou entender o que se passa na cabeça do pes­soal e decodificar o seu recado. A violência, não obstante even­tuais matizes ideológicos e for­tes marcas de vandalismo antissocial, está intimamente relacio­nada com uma percepção de que o Estado está na contramão da sociedade. 
O cidadão paga impostos extorsivos e o retomo dos governos é quase zero. 
Tu­do o que depende do Estado fun­ciona mal. 
Educação, 
saúde, 
se­gurança, 
transporte são incompatíveis com o tamanho e a im­portância do Brasil. 
Os gastos públicos aumentam assustado­ramente. 
O número de ministérios é uma piada.
 A corrupção rola solta. 
A percepção de impu­nidade é muito forte.

A situação do julgamento do mensalão, independentemente das razões técnicas que fun­damentaram alguns votos, transmitiu ao cidadão médio a convicção de que a lei não vale para todos. Estão conseguindo demonizar a política e, conse­quentemente, empurrando a democracia para uma zona de risco. Os governantes precisam acordar. As vozes das ruas, nas suas manifestações legítimas e mesmo nos seus excessos, espe­ram uma resposta efetiva, e não um discurso marqueteiro. A crise que está aí é brava. A gordura dos anos de bonança acabou. A realidade está gritando no bol­so e na frustração das pessoas. E não há marketing que supere a força inescapável dos fatos. O governo pode perder o contro­le da situação.

Nós, jornalistas, temos um papel importante. Devemos dar a notícia com toda a clareza. Precisamos fugir do jornalismo declaratório. Nossa missão é confrontar a declaração do go­vernante com a realidade dos fatos. Não se pode permitir que as assessorias de comunicação dos políticos definam o que de­ve ou não ser coberto. O jorna­lismo de registro, pobre e simplificador, repercute o Brasil oficial, mas oculta a verdadeira dimensão do País real. Precisa­mos fugir do espetáculo e fazer a opção pela informação. Só as­sim, com equilíbrio e didatismo, conseguiremos separar a notícia do lixo declaratório.

Campanhas milionárias, pro­messas surrealistas e imagens produzidas fazem parte do mar­keting de alguns políticos e governantes. Assiste-se, diariamente, a um show de efeitos es­peciais capazes de seduzir o grande público, mas, no fundo, vazio de conteúdo e carente de seriedade. O marketing, ferra­menta importante para a trans­missão da verdade, pode ser transformado em instrumento de mistificação. Estamos assis­tindo à morte da política c ao advento da era da inconsistên­cia. Os programas eleitorais vendem uma bela embalagem, nus, de fato, são paupérrimos na discussão das ideias. 

Nós, jornalistas, somos (ou devería­mos ser) o contraponto a essa tendência. Cabe-nos a missão de rasgar a embalagem e desnu­dar os candidatos.
Transparência nos negócios públicos, ética, boa gestão e competência são as principais demandas da sociedade. Me­mória e voto consciente com­põem a melhor receita para sa­tisfazê-las. Devemos condenar a violência "black bloc", sem dúvida. Mas devemos também bater forte na pornopolítica. Ela está na raiz da espiral de vio­lência que sequestra a esperan­ça dos jovens e ameaça a nossa democracia.
Carlos Alberto Di Franco
O Estado de S. Paulo

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