Algumas pessoas apontaram para o radicalismo da revista The Economist que, ao contrário de 2009, traz agora o Cristo Redentor desgovernado. Assim, pela foto da capa poder-se-ia esperar uma matéria com viés excessivamente pessimista sobre o Brasil. Mas a matéria especial de 14 páginas está bem escrita e longe de adotar o conteúdo pessimista que a capa sugere.
Vou mais longe. A grande maioria dos analistas econômicos aqui no Brasil e jornalistas locais teriam escrito algo muito mais radical. A repórter, Helen Joyce, conseguiu fazer uma matéria muito boa que está longe de ser ufanista, como alguns desejariam, e longe de ser pessimista como outros gostariam. Vou destacar aqui 10 pontos para dar uma ideia do tom da matéria.
(1) “…Many have now lost faith in the idea that their country was headed for orbit and diagnosed just another voo de galinha (chicken flight), as they dubbed previous short-lived economic spurts”.
Esse é um bom debate. Há poucos anos muitos apostavam que o Brasil cresceria nos próximos dez anos perto de 4% aa. Agora essa expectativa é mais modesta: 3% a 3,5% aa. Ou seja, o crescimento de 4,6% aa ao longo do segundo governo Lula parece uma realidade muito distante e voltamos a debater o voo de galinha. Isso não é invenção da The Economist.
(2) “..But Brazil has done far too little to reform its government in the boom years. It is not alone in this: India had a similar chance, and missed it. But Brazil’s public sector imposes a particularly heavy burden on its private sector, as our special report explains”
Alguém discorda que fomos complacentes com a agenda de reformas a partir do segundo governo Lula? Houve até um esforço do governo de continuar com algumas reformas como a reforma tributária, mas não conseguimos. E demoramos muito para iniciarmos as concessões. Alguém discorda? E, ao contrário de outros países em desenvolvimento que têm espaço para aumentar carga tributária e divida, nós já estamos em um patamar muito acima de outros países em desenvolvimento.
(3) “…..its spending on infrastructure is as skimpy as a string bikini. It spends just 1.5% of GDP on infrastructure, compared with a global average of 3.8%, even though its stock of infrastructure is valued at just 16% of GDP, compared with 71% in other big economies.”
Alguém tem dúvidas que investimos muito pouco em infraestrutura? Há anos Claudio Frishtak da InterB consultoria tem destacado isso, que nosso investimento em infraestrutura nos últimos dez anos não é suficiente nem para manter a qualidade. Esse é um problema tão grave que o governo abraçou uma audaciosa agenda de concessões.
(4) “….These problems have accumulated over generations. But Ms Rousseff has been unwilling or unable to tackle them, and has created new problems by interfering far more than the pragmatic Lula. She has scared investors away from infrastructure projects and undermined Brazil’s hard-won reputation for macroeconomic rectitude by publicly chivvying the Central Bank chief into slashing interest rates. …….and the markets do not trust Ms Roussef.
As pessoas de mercado falam exatamente isso (e muitas pessoas no governo também). Podemos concordar ou discordar dessas avaliações, mas muitos falam exatamente isso e, se for em reunião fechada, o tom é mais forte do que em reuniões abertas.
(5) “…But if Brazil is to recover its vim, it needs to rediscover an appetite for reform. …. Second, it must make Brazilian business more competitive and encourage it to invest. ….. Third, Brazil urgently needs political reform.
Alguma discordância dessa agenda? Mesmo meus amigos que são mais heterodoxos concordam com essas agenda.
(6) “…Ms Rousseff has been hectoring businessmen to invest more, ignoring the fact that it is mainly government obstructionism and heavy-handedness that hold them back. And commodity prices seem unlikely to bail out Brazil’s economy with another growth spurt”
Eu escuto isso de grandes economistas, pessoas com experiência de governo e que são consultores econômicos. Todos muito respeitados. O excesso de intervenção na economia aumentou a insegurança dos investidores. Novamente, isso não é tese da revista mas sim de vários economistas brasileiros.
(7) The country has also blown its chance to cash in on its demographic bônus.
Novamente, isso é outra das teses praticamente consensuais entre economistas, que colocaria lado a lado meus amigos Samuel Pessoa (FGV-IBRE), que não acredita em política industrial, e meu amigo Jorge Arbache (UNB), que acredita em política industrial. Nos estamos na década final do nosso bônus demográfico e a poupança doméstica não cresceu e a tendência é diminuir. Um estudo do Ministério da Previdência anexado a última LDO mostra que, a partir de 2016, o déficit do INSS passará a crescer de forma contínua todos os anos. Isso é estudo oficial do governo anexado à LDO. Novamente, não é tese da revista The Economist.
(8) “Despite all these caveats, this special report will argue that, given the will, there is scope for the social and economic advances of the past two decades to continue….. the government will have to resume the reforms it dropped during the good times: trimming pension benefits, cutting red tape, lowering and simplifying taxes and updating labour laws”.
Eu leio isso em publicações oficiais do próprio governo e escuto isso de economistas de dentro e fora do governo. Hoje, não escuto ninguém defendendo aumento de carga tributária como uma forma de alavancar o nosso crescimento e quase todo mundo fala a favor da agenda de simplificação tributária. No caso da previdência, vamos ter que fazer algo ao longo dos próximos dez anos por imposição demográfica, pode ser uma mudança pequena ou uma grande mas faremos algo.
(9) “…And it makes it harder to persuade the best young graduates to take up teaching in the first place. Pensions form such a large part of total compensation that they squeeze pay. State-school teachers’ salaries are among the lowest for graduate jobs in Brazil, so most high-flyers are not interested.”
A revista fala que os salários de professores são baixos para atrair os nossos formandos mais brilhantes para a sala de aula. Essa é uma tese que escuto de muita gente que estuda o tema educação. Como também que o aumento de recurso para educação deve ser acompanhado por uma melhoria de qualidade que envolve avaliação de professores e alunos e retirar os professores ruins da sala de aula. Se isso vai aumentar o gasto em educação não sei, mas aqui o debate não é apenas reduzir ou simplesmente aumentar o gasto.
(10) “Many Brazilians believe that cutting politicians’ perks would release enough cash to build better roads, schools and hospitals. But although such trimming would be a good thing, only a radical reshaping of public spending, and in particular much later retirement and lower pensions, will produce the required savings.”
Eu concordo 100% com isso. Muita gente acha que o combate a corrupção vai gerar um montanha de recursos que será suficiente para aumentar a oferta e qualidade dos serviços públicos, aumentar o investimento público e ainda reduzir carga tributária. Isso é “wishful thinking”. No Brasil, para criarmos o espaço fiscal para aumentar o investimento público e reduzir carga tributária teremos que mudar regras e rediscutir o gasto público, inclusive o gasto social. Estou aberto ao contraditório mas não me venham com papo furado que fechar 10 ministérios vai nos trazer uma substancial economia. Não vai.
Em resumo, a matéria da The Economist está excepcionalmente bem escrita e longe do tom pessimista que alguns poderiam imaginar, olhando apenas para a capa da revista. O ideal seria crescermos 5% ao ano sem precisarmos fazer reforma alguma. Mas alguém acredita nesta possibilidade? Alguém acredita que o Brasil não fará uma reforma da previdência (pequena ou grande pois vai depender da vontade do eleitor) ao longo dos próximos dez anos? Infelizmente, teremos que fazer escolhas, mesmo que a escolha seja não avançar nas reformas e crescer menos
Nenhum comentário:
Postar um comentário