"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

fevereiro 04, 2013

É preciso discutir o papel do BNDES


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Recentemente foram divulgados os resultados do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para 2012.

No todo, foram desembolsados quase R$ 156 bilhões, alta de 12%, em termos nominais, e de 54%, se descontada a inflação, em relação a 2011. Também cresceram expressivamente as consultas e as aprovações de operações, principalmente no z.° semestre.

Para alguns analistas, isso sinalizaria incremento significativo do investimento em 2013. Em meio a esses números, uma pergunta se impõe:
Se os desembolsos do BNDES aumentaram, o que explicaria a queda da taxa de investimento em 2012? A resposta mais óbvia e imediata é que, sem a intervenção do BNDES, a taxa de investimento seria ainda menor.

No entanto, existem evidências que contradizem essa conjectura. O primeiro conjunto de evidências diz respeito à evolução da taxa de investimento da economia brasileira e o recente aumento da importância do BNDES no crédito ao setor privado.

De fato, a taxa de investimento pouco variou nos últimos anos (desde 2008, gira em torno de 19%), a despeito do vigoroso incremento dos desembolsos do BNDES (crescimento de quase 896 ao ano no mesmo período, descontando a inflação).

A propósito, continuamos longe da meta para o ano de 2010 (taxa de investimento de 21% do PIB), estabelecida há pouco mais de quatro anos no lançamento da Política de Desenvolvimento Produtivo. De todo modo, ainda que houvesse uma correspondência entre os desembolsos do BNDES e a taxa de investimento, não se poderia inferir uma relação de causa e efeito entre as duas variáveis econômicas.

Assim, para além das evidências mais superficiais, a literatura econômica indica que os empréstimos e a compra de participações societárias do BNDES têm tido pouco efeito sobre o nível de investimento das empresas.
Na verdade, sua atuação, apesar de reduzir o custo financeiro, não implicaria aumento dos investimentos.

Estes seriam feitos de qualquer modo, só que com outras fontes de financiamento (privadas, principalmente). Nq jargão dos economistas, trata-se do efeito crowding ont, em que a atuação do BNDES deslocaria outras formas de financiamento, sem afetar significativamente a taxa de investimento.

Ademais, diversos artigos apontam que, na melhor das hipóteses, a atuação do BNDES somente aumentaria a produtividade das empresas de maior porte e das que já se encontram entre as mais produtivas.

Mas esses são justamente os agentes econômicos que conseguiriam se financiar por outros meios. Muitas dessas empresas teriam capacidade, inclusive, de acessar o mercado internacional de crédito ou de capitais.

Cabe lembrar que os recursos que o BNDES usa em suas operações não caem do céu. São obtidos pela contribuição compulsória dos agentes econômicos (no caso de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador) ou dos contribuintes em geral (no caso de aportes feitos pelo Tesouro).

Em outras palavras, são recursos obtidos pela tributação da atividade econômica - o que reduz a eficiência e a propensão a investir - usados para subsidiar um grupo de empresas.

Se os ganhos de produtividade sào pequenos ou o investimento pode ser financiado de outra forma, é difícil justificar tanto a perda gerada pela tributação como a transferência de recursos da sociedade para esses agentes econômicos. Idealmente, há espaço para atuação do governo em casos nos quais se manifestam extemalidades.

Em outras palavras, investimentos em que o empresário não se apropria de todos os benefícios gerados e, pois, investe menos do que o desejável para a sociedade. São projetos em que o retorno privado é mais baixo do que o social. Nesse caso, o resultado vai além da mera substituição da fonte de financiamento, e a atuação do banco de desenvolvimento incrementa, de fato, o nível de investimento.

Ressalte-se que nem sequer foi enfatizada a recente tendência de usar os recursos do BNDES para fomentar a criação dos chamados campeões nacionais. Nesse caso, não há dúvida de que o efeito na taxa de investimento é nulo. Ademais, além dos benefícios privados que são apropriados pelas empresas envolvidas, é bastante difícil enxergar benefícios sociais adicionais.

Definitivamente, este não é o caso para a atuação de um banco de desenvolvimento. Avaliações periódicas e transparentes têm sido um dos segredos do sucesso das experiências bem-sucedidas de política industrial em outros países.

O mesmo deve ser feito com relação ao BNDES, cujo sucesso não pode ser medido somente pelo volume de desembolsos. É preciso avançar no entendimento dos efeitos do BNDES na economia brasileira, em geral, e na taxa de investimento, em particular, bem como da necessidade de certos tipos de intervenções.

É necessário avaliar os instrumentos e programas do BNDES, reforçando aqueles que, de fato, geram benefícios sociais (que certamente existem) e descontinuando aqueles que são meras transferências de renda do contribuinte para alguns empresários privilegiados.

O Estado de S. Paulo

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