"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

dezembro 10, 2012

Justiça prolixa - "Escrever é cortar palavras" Carlos Dmmmond de Andrade


No discurso de sua posse como pre­sidente do Supre­mo Tribunal Fe­deral (STF), o mi­nistro Joaquim Barbosa defendeu um Poder Ju­diciário "sem firulas, sem flo­reios, sem rapapés" e apontou o juiz como produto do seu meio e do seu tempo: "Nada mais ul­trapassado e indesejável que aquele modelo de juiz isolado, fechado, como se estivesse en­cerrado numa torre de mar­fim".

A oportuna alocução pode também ser relacionada ao que denomino "cultura da prolixida­de", resistente obstáculo à pres­tação jurisdicional ágil em nos­so país.

Prolixo é "muito longo ou di­fuso, superabundante, excessi­vo, demasiado" (Dicionário Au­rélio, 2.a edição, página 1,400). Na oratória ou na escrita, atri­bui-se tal adjetivação a quem fa­la ou escreve em demasia e, mui­tas vezes, sem nexo.


A "cultura da prolixidade" apresenta-se com maior proemi­nência nos meios jurídicos do que em outras atividades. Criou-se entre os operadores dó Direi­to o mito de que escrever bem é escrever exaustivamente.

A decisão judicial sintética e objetiva poderá ser objeto de re­curso à instância superior, sob alegação de nulidade por "falta de fundamentação". Felizmen­te, os tribunais brasileiros en­tendem que boa sentença não é necessariamente sentença lon­ga ou difusamente redigida. Boa sentença é sentença justa:
i "A fundamentação sucinta, que exponha os motivos que enseja­ram a conclusão alcançada, não inquina a decisão de nulidade, ao contrário do que sucede com a decisão desmotivada" (Supe­rior Tribunal de Justiça, Recur­so Especial n.° 316.490 mi­nistro Sálvio de Figueiredo Tei­xeira, Diário de Justiça 26/9/2005).

Sobretudo após os progres­sos da informática, os textos processuais tornaram-se abun­dantes. Com as facilidades tec­nológicas, são transcritas exu­berantes citações de doutrina e jurisprudência. A leitura de vo­lumosas peças processuais tor­na-se uma maçada contrapro­ducente para juízes, promoto­res e advogados das partes em litígio.

Em outras atividades, conci­são e clareza já são dogmas. Aos jornalistas, exemplificativa­mente, prescreve-se:
"Seja cla­ro, preciso, direto, objetivo e conciso. Use frases curtas e evi­te intercalações excessivas ou ordens inversas desnecessárias. Não é justo exigir que o lei­tor faça complicados exercícios mentais para compreender a matéria" (Manual de Redação e Estilo, jornal O Estado de S. Paulo, 1990, página 16).

Para o ministro Sidnei Beneti, do Superior Tribunal de Justi­ça, devem os julgadores decidir de maneira justa, sem preocupa­ções com ornamentos literá­rios.

O juiz não é profissional incumbido de tecer brilhantes considerações literárias, doutri­nárias ou eruditas:
"Pode ele ter também conhecimento que o al­ce à condição de doutrinador, mas, para isso, em princípio, de­verá procurar outros campos de atividade, que não o jurisdi­cional. Fará concursos, defen­derá teses, exercerá atividade docente permitida. No proces­so, entretanto, não haverá lugar para esse lado da atividade" (O juiz e o serviço judiciário, 1988).

Portanto, a cultura da prolixi­dade é mais um fator de morosi­dade na marcha processual. Ao economizar palavras, os operadores do Direito propiciam um processo mais sintético e célere, Mauro Cappelletti e Bryanth Garth (Acesso à Justiça, ed. brasileira, 1988, páginas 22 a 24) identificaram barreiras a ser superadas para os indivíduos, sobretudo os mais carentes, terem efetivo acesso à justiça:
Necessidade de reconhecer a existência de um direito juridicamente exigível;aquisição de conhecimen­tos a respeito da maneira de ajui­zar uma demanda; e disposição psicológica das pessoas para recorrer a proces­sos judiciais.

As pessoas, especialmente nas classes menos favorecidas, receiam litigar: "Procedimen­tos complicados, formalismo, ambientes que intimidam, co­mo o dos tribunais, juízes e ad­vogados, figuras tidas como opressoras, fazem com que o li­tigante se sinta perdido, um pri­sioneiro num mundo estranho.

(...)
Nosso Direito é frequente­mente complicado.(...)Se a lei é mais compreensível, ela se tor­na mais acessível às pessoas co­muns. No contexto do movi­mento de acesso à justiça, a sim­plificação também diz respeito à tentativa de tornar mais fácil que as pessoas satisfaçam as exi­gências para a utilização de de­terminado remédio jurídico".

Jürgen Habermas, filósofo ale­mão, elaborou teoria sobre a so­ciedade democrática contempo­rânea, a qual se deve pautar pela "ação discursiva". Em outras pa­lavras, o Estado, por seus órgãos de poder, deve dialogar de for­ma compreensível e transparen­te com a sociedade civil: "A co­municação pública perde vitali­dade discursiva quando lhe falta informação fundamentada ou discussão vivaz. (...) Vivemos em sociedades pluralistas.

O processo de decisão democráti­co só pode ultrapassar as cisões profundas entre visões de mun­do opostas se houver algum vín­culo legitimador aos olhos de to­dos os cidadãos. O processo de decisão deve conjugar inclusão (isto é, a participação universal em pé de igualdade) e condução discursiva do conflito de opi­niões" (O valor da notícia, ver­são traduzida, 2007).

Deveras oportuna, pois, a re­flexão do ministro Joaquim Bar­bosa em sua investidura na pre­sidência da Suprema Corte. Os magistrados brasileiros devem estar imbuídos da urgência de lhe conferir realidade. Já assina­lei no livro

Aplicação do Código de Defesa do Consumidor (Edito­ra RT, 2003):
"A magistratura deverá apressar-se, porque o Brasil clama por mudanças. Não podemos mais viver com velhas estruturas. Não pode­mos mais estar presos a solu­ções que nada têm a ver com o povo. Como na canção de Mil­ton Nascimento, a Justiça tem de ir aonde o povo está".

Rogério Medeiros Garcia de Lima O Estado de S. Paulo  

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