"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

setembro 22, 2012

OPORTUNIDADE PARA NOVOS RUMOS ! Julgamento do mensalão gera discussões sobre os rumos do Brasil

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O julgamento do mensalão é uma boa oportunidade para discutir não apenas a ética de políticos e magistrados, mas também os rumos do Brasil, na avaliação de analistas políticos.

Diante do cenário em que, pela primeira vez, a polícia do próprio governo concluiu investigação sobre os dirigentes do partido no poder e o Ministério Público os denuncia à Corte suprema, o país se pergunta:
Nossas instituições saem fortalecidas desse processo?

A velha sensação de impunidade que permeia o imaginário melhora ao se assistir a um evento com réus deste porte? O Brasil dá passos importantes no combate à corrupção? Até que ponto estamos fadados, como sociedade, a conviver com ela?

 Autor, ao lado de Timothy Power, de "Corruption and Democracy in Brazil:
The Struggle for Accountability" (ainda inédito no Brasil), o professor da American University em Washington Matthew Taylor vê um paradoxo em todo o processo. De um lado, ele representa um avanço para a democracia e as instituições brasileiras.

A polícia do governo (Federal) agiu com independência e a Justiça foi chamada a agir. De outro, será que o Supremo Tribunal Federal (STF) é o poder ideal para fazer isso? Por que demorou tanto?

Fica a impressão de que o Judiciário brasileiro é muito lento e precisa melhorar diz Taylor, salientando que o STF não seria capacitado para julgar processos penais, dada sua natureza constitucional.

A lentidão da Justiça assim como o fato de os crimes de corrupção terem um período de prescrição relativamente curto se comparado ao de outros países é apontada por Alejandro Salas, diretor de Américas da Transparência Internacional, como determinante para que as sensações de corrupção e impunidade persistam no Brasil.

Apesar dos "significativos avanços institucionais", o país aparece na 73ª posição no ranking da organização, que avalia a corrupção em 182 países. Se o julgamento for conduzido às claras e a opinião pública tiver a percepção de que ele foi justo e transparente, o Brasil pode crescer muito com isso diz.

Outro fator que preocupa, no caso do mensalão, é saber se caso haja condenados as penas serão devidamente cumpridas. Peter Hakim, do Diálogo InterAmericano, com sede em Washington, acha o sistema judiciário brasileiro "disfuncional", no sentido de que acaba beneficiando "bons advogados e réus com dinheiro para pagá-los".

 A Constituição de 88 protegeu bastante o indivíduo, o que é bom, mas acabou também criando infinitas possibilidades de recursos como habeas corpus, de responder a processos em liberdade e cumprimento de penas proporcionais baixas.

Para Leonardo Avritzer, coordenador do Centro de Referência do Interesse Público (Crip) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e autor do "Dicionário Analítico da Corrupção", o julgamento do mensalão é propício para se corrigir distorções do sistema político, como a dificuldade de se governar no presidencialismo de coalisão e na forma de financiamento de campanha.

O presidente precisa conseguir maioria no Congresso para governar, seu partido tem uma bancada que é pequena para isso. São distorções assim que desembocam no mensalão.

As condenações em relação a fatos comprovados podem fazer com que o sistema político faça sua própria reforma acredita o cientista político. Avritzer defende a diminuição do número de partidos e o financiamento público de campanha.

Para ele, no fim das contas o julgamento mostra que "dinheiro público já financia o sistema político brasileiro, só que de maneira ilegal e condenável moralmente".

Autor do livro "Corrupção, democracia e legitimidade", o cientista social Fernando Filgueiras vê o julgamento como resultado de uma "conjunção entre mudanças institucionais e na cultura política brasileira", e também propõe mudanças no financiamento de campanhas.

Pessoas jurídicas não votam e, portanto, não poderiam interferir no processo eleitoral e nem doar recursos para candidatos sugere. Alfredo Valadão, da Sciences Po, de Paris, concorda e fala sobre a importância de se ter "coragem para levar adiante a tão sonhada reforma política".

Reformas que acompanhem esta sociedade modernizada que está surgindo aqui, que pela primeira vez valoriza o indivíduo e se mostra menos tolerante com a corrupção, querendo que os políticos prestem contas do dinheiro que ela paga em impostos explica.

Mas a realidade ainda não é bem assim, na visão de Marco Morel, doutor em História pela Universidade Paris I e autor de "Corrupção mostra a sua cara", lançado no dia do início do julgamento do mensalão.

Morel lembra que uma grande parcela da população não recebe educação de qualidade. Para ele, ainda é forte a sensação de impunidade e a crença de que "o jeitinho brasileiro releva delitos". Em que outro país existe um verbo, "malufar", criado a partir de um acusado de corrupção na lista da InterPol (Paulo Maluf)?

Desde Tomé de Souza (primeiro governador do Brasil, nomeado por Dom João III em 1549), passando por Adhemar de Barros (prefeito e governador de São Paulo entre os anos 50 e 60), aquele do "rouba mas faz", convivemos e somos relativamente condizentes com nossos corruptos.

Está melhorando, mas essa permissividade é um pouco cultural, difícil de transformar acha o escritor.

Filgueiras discorda:
 Se a corrupção fosse a própria identidade do povo brasileiro, não haveria corrupção porque ela seria a regra e não a exceção.

Se assim fosse, também não haveria sentido em construir instituições para tentar manter a corrupção sob controle.

O problema da corrupção no Brasil é institucional e não identitário.

O Globo

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