Apesar da queda dos juros básicos da economia - que estão no seu menor patamar histórico - os brasileiros ainda pagam a maior taxa média no cartão de crédito.
Levantamento em nove países - Argentina, Chile,
Colômbia, Peru, Venezuela, México, EUA e Reino Unido, além do Brasil -
mostrou que o país cobra 238,30% ao ano. O número é mais de quatro
vezes o registrado pelo Peru, o segundo colocado, com taxa de 55%,
muito próxima aos 54,24% do Chile.
A Argentina é o quarto país com a maior taxa, de 50%, seguido por
México (33,8%), Venezuela (33%) e Colômbia (29,23%). Nos EUA e no Reino
Unido, a taxa é muito inferior, de 16,89% e 18,7%, respectivamente. O
estudo incluiu dados da Associação Nacional dos Executivos de Finanças
(Anefac), da Proteste e dos sites Index Credit Cards e Money Facts, dos
EUA e Reino Unido, respectivamente.
- É um absurdo a diferença de taxa de juros. Não tem justificativa,
nem mesmo a inadimplência - diz a economista da Proteste Hessia
Costella.
Inadimplência e juros: círculo vicioso
Nem a redução da taxa básica de juros da economia teve impacto nos
juros médios do cartão de crédito, que se mantêm inalterados em 238,30%
anuais desde fevereiro de 2010.
- Existe um círculo vicioso. A inadimplência é alta porque os juros
são elevados. E os juros elevados acabam aumentando a inadimplência. Se
os juros fossem menores, a inadimplência cairia - diz o
vice-presidente da Anefac, Miguel Ribeiro de Oliveira.
- A taxa de 238,30% ao ano é elevadíssima, para não dizer absurda ou
irreal - afirma, por sua vez, o educador financeiro Mauro Calil.
Segundo o Banco Central (BC), a inadimplência no cartão de crédito
chegava a 28,10% em julho ( atrasos com mais de 90 dias), contra média
de 7,9% no crédito para a pessoa física. O volume movimentado no
rotativo em julho, diz o BC, foi de R$ 37 bilhões.
Para Hessia, quem
entra no rotativo dificilmente sai porque as taxas são muito altas.
Uma dívida no cartão de crédito, diz Oliveira, leva seis meses e
meio para dobrar de valor, a uma taxa média de 10,69% por mês (238,30%
por ano). Os números são mais expressivos quando se olha além da média.
Segundo a Anefac, a taxa varia entre 26,82% e 628,76% ao ano, ou 2% a
18% ao mês.
- O cartão de crédito é o principal meio de pagamento quando se trata de inadimplência - afirma Mauro Calil.
Além do juro alto, o tema desperta polêmica devido a algumas
características específicas do mercado brasileiro de cartões.
Aqui,
todos têm a função de crédito rotativo. Quando o consumidor opta por
pagar o valor mínimo da fatura, já faz uso desse financiamento, e
inicia seu processo de refinanciamento.
Lá fora, o rotativo não é
disponível em todas as opções do mercado.
Empresas: rotativo representa só 2%
O parcelamento sem juros - praticamente uma exclusividade brasileira
- também pesa sobre os custos do setor, segundo seus representantes. A
Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços
(Abecs) diz que 50% do faturamento dos cartões no Brasil vêm do
parcelamento sem juros.
Outra diferença é a data em que o juro começa a incidir sobre as
compras. No Brasil, isso só ocorre quando a pessoa atrasa o pagamento
ou opta por pagar o valor mínimo. Ou seja, quem está com a fatura em
dia pode ter até 40 dias de financiamento sem custo.
- Lá fora, não existe operação sem juros. O pagamento do juro ocorre
a partir do dia seguinte ao da compra, enquanto aqui se cobra o juro
apenas a partir do dia de vencimento da fatura. Além disso, temos o
parcelado sem juros. Tudo isso tem custo - defende o vice-presidente
comercial da Mastercard Brasil e Cone Sul, João Pedro Paro.
Segundo a Abecs, no exterior o saldo do rotativo representa 80% das
compras. No Brasil, 70% do saldo a receber não têm juros e o rotativo
representa menos de 2% do volume total.
Atendente de uma padaria da Vila Olímpia, em São Paulo, Vital Abreu
Neto diz, orgulhoso, que nunca se endividou no cartão de crédito e
revela o segredo: nunca pagar o valor mínimo.
- Se você paga o mínimo, a dívida dobra - diz ele.
Mastercard e Visa, as principais bandeiras globais, argumentam que
são os emissores dos cartões (bancos, redes varejistas e outros) que
definem as taxas de juros. Isso explica, segundo elas, o fato de que a
mesma bandeira ter taxas de juros díspares em diferentes países.
A
Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) diz que a Abecs é a entidade
indicada para tratar do assunto.
Lucianne Carneiro/O Globo
Lucianne Carneiro/O Globo
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