"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

setembro 12, 2012

Cultura do vale-tudo

Não é segredo para ninguém que o PT é capaz de tudo para atingir seus fins.
O mensalão está aí para comprovar.

Mas é na forma como articula seus apoios e maneja suas bases parlamentares que o petismo revela-se na sua inteireza. Trata-se do partido do vale-tudo, o mais legítimo representante do toma lá, dá cá da política brasileira.


Se um dia teve na ideologia o seu esteio, hoje o PT baseia suas práticas no mais deslavado fisiologismo que se tem notícia. Agora, nem o apoio de seus próprios correligionários é obtido na base da convicção e da adesão desinteressada.

Tudo é objeto de barganhas e de escambo de nacos de poder.
O que aconteceu ontem com Marta Suplicy é apenas mais um capítulo desta saga de deplorável degradação política.


A senadora eleita por São Paulo recebeu o Ministério da Cultura como moeda de troca para apoiar o periclitante Fernando Haddad na disputa pela prefeitura paulistana. Ela substituirá Ana de Hollanda, 13ª a deixar o ministério de Dilma Rousseff.

Fechada na bacia das almas do mercado eleitoral, a transação é tão explícita que chegaria a constranger - isso se vergonha na cara houvesse.


Na mensagem em que comunica a demissão de Ana do cargo, a presidente afirma que Marta "dará prosseguimento às políticas públicas e aos projetos que estão transformando a área da cultura nos últimos anos". Provavelmente, Dilma está se referindo à ruína que a agora ex-ministra denunciou há um mês em carta tornada pública pelo jornal O Globo.

A degradação que se apossou da centenária Biblioteca Nacional no Rio é a melhor tradução do caos.


Tal como está, o Ministério da Cultura só serve mesmo de butim no mercado de compra de apoios, não só político, mas também no meio artístico.
Dispõe de orçamento modesto, para dizer o mínimo:
são R$ 2,2 bilhões, que equivalem a 0,2% das despesas não financeiras da União neste ano.


Ainda assim, 20% deste valor foi tesourado pelo ajuste fiscal.


Marta assume um ministério para o qual seu, digamos, maior atributo é ser mãe de dois músicos de qualidades pra lá de duvidosa - também é ex-mulher de um senador notável por interpretar a mesma música onde quer que o vento sopre...

A intimidade dela com o setor cultural é nula, mas sua afinidade com o mundo do vale-tudo petista é enciclopédica.


A senadora desembarca no ministério uma semana após ter estreado na campanha petista em São Paulo, depois de muito relutar. Seu apoio foi negociado a peso de ouro - dada a pequenez do Ministério da Cultura na estrutura oficial, melhor seria dizer de bronze - diretamente com Luiz Inácio Lula da Silva e com a atual presidente da República.

Dois encontros com Dilma (em 22 e 30 de agosto)
e um almoço com Lula (em 27 de agosto) selaram seu destino.


Marta toma posse amanhã na pasta como quem vai para uma pós-graduação no exterior, com o agravante de não ter nem uma vaga ideia na cabeça sobre o que fará lá. "Vou mergulhar no ministério e descobrir o que fazer.

Vou estudar", respondeu ela ontem, ao ser questionada sobre suas prioridades na Cultura. Pelo jeito, câmera na mão não vai ter...


Não ter o menor conhecimento sobre o assunto do qual seu ministério cuida é o de menos. Afinal, Marta não é avis rara na Esplanada. Pelo contrário, este é o padrão na era petista. Desde Lula, ministérios tornaram-se feudos amealhados entre os que se prestam a dar sustentação ao projeto de poder do PT.

Não surpreende que escassas tenham sido as iniciativas realmente inovadoras surgidas em Brasília nestes últimos dez anos.


Marta é apenas a mais nova moeda deste baú de troca-troca no qual o PT baseia sua prática política. Como Fernando Haddad e quase todos os candidatos petistas às prefeituras das capitais não conseguem entusiasmar nem sua militância, o partido do mensalão utiliza no mercado eleitoral o mesmo expediente que Lula empregou para inchar sua base congressual:
a compra explícita de apoio e voto.


A senadora paulista não é caso isolado.


Antes dela, ao PRB já havia sido dado o Ministério da Pesca, ocupado por um Marcelo Crivella que nem de minhoca, nem de anzol diz entender. Ao PP fora entregue a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades, como forma de mercadejar o apoio de Paulo Maluf a Haddad.

E a Aloizio Mercadante fora destinado o Ministério da Educação, numa tentativa de evitar novas aloprações na campanha eleitoral.
Todas tenebrosas transações no toma lá, dá cá petista.


Constata-se que Dilma Rousseff não só mergulhou na campanha eleitoral, como o faz de maneira exorbitante e em franca colisão com a postura institucional e republicana que o cargo lhe exige.

Distribui cargos, usa rede nacional de rádio e TV para atacar adversários e, no horário eleitoral, ameaça eleitores de deixar suas cidades à míngua caso os candidatos petistas não vençam as eleições de outubro - como ocorreu tanto em São Paulo, quanto em Belo Horizonte.


A presidente da República não faz, porém, nada diferente do que Lula fez dois anos atrás para elegê-la. É farinha do mesmo saco da escola da desfaçatez que forma alunos aplicados na cultura do vale-tudo do PT.

Nela, o que mais se faz é relaxar e gozar as benesses do poder - do que Marta Suplicy entende bem. Respeitar o interesse dos eleitores e dos cidadãos é o que menos conta neste nefasto mercado de barganhas.


Fonte: Instituto Teotônio Vilela
Cultura do vale-tudo

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